Opinião

A previsibilidade de Trump, dos ‘valores’ cheganos e da nova lei seletiva

A previsibilidade de Trump, dos ‘valores’ cheganos e da nova lei seletiva

Gonçalo Ribeiro Telles

Comentador político, fundador e consultor de comunicação na GRiT Communication & Political Risk

No espaço de um mês, o trumpismo confirmou ao que vem depois de meses, anos, a dizê-lo e o Chega vaticinou de vez e em ‘sede’ própria que impor a imigrantes um modo de vida ou valores e princípios nacionais para lá da lei portuguesa e europeia é só estúpido e perigoso

Têm acontecido décadas nas últimas semanas, mas só surpreendem em grande medida pelo ritmo. Desde a entrada em cena da administração Trump, apenas o desmantelamento interno sem travão das leis institucionais nos EUA, do FBI e da administração pública americana como um todo é que devem causar surpresa. A posição previsível na esfera internacional dos EUA por via do trumpismo e como parte integrante do “eixo totalitário” ou fiel seguidor da agenda putinista, só não era conjeturável para os desatentos, facilitadores, ou para quem vive da relativização da democracia liberal e do Estado de Direito. Entre uns e outros, não foram e não são poucos hoje na Europa.

Dos verdadeiros aliados europeus de extrema-direita da administração americana, é impossível não observar também as últimas semanas do partido português que ocupa esse espaço político. O Chega teve em André Ventura um líder naturalmente desesperado por se ver livre de um ladrão de malas que gritava dia sim, dia não, contra o ‘socialismo’ democrático, um violador de menores destacado no partido que, não raras vezes, evocava os tais ‘valores’ portugueses e praticamente toda uma bancada parlamentar que faz gaudio da indecência constante, mas vendia-se como enviada dos “portugueses de bem.” Vá-se lá entender esse pesadelo.

Em suma e retrospetiva, no espaço de um mês o trumpismo confirmou ao que vem depois de meses, anos, a dizê-lo, a interferir, e o Chega de André Ventura vaticinou de vez e em ‘sede’ própria que impor a imigrantes um modo de vida ou valores e princípios nacionais para lá da lei portuguesa e europeia é só estúpido e perigoso.

Mas é exatamente o tratamento seletivo da lei, até para lá da desordem, que serve como combustível à extrema-direita. Lá como cá. Se é certo que nos EUA ela segue em processo acelerado de desmantelamento com a nova administração, por cá lá vai a extrema-direita tentando devagarinho, devagarinho, retirar o papel central do nosso quadro jurídico como garante do que nos deve reger como finalidade primeira e última. Nos EUA não é apenas o direito internacional e a soberania dos países que passou a ser desprezada. É toda a realidade interna do país que passou a viver sobre o espelho da frase recentemente proferida por Donald Trump: “he who saves his country does not violate any law.”

Ontem, a salvação era o combate aos excessos da agenda woke que passaram a valer para tudo, tendo sido habilmente invocada e extrapolada em qualquer tema. Hoje, relativiza-se a lei e os tribunais em nome desta e de outras conveniências momentâneas. O novo wokismo da extrema-direita americana e da europeia por contágio é uma espécie de fanatismo evangélico que nada tem de cristão, mas serve para legitimar a armada subjugada ao ódio racial, bem como a uma espécie de patriotismo vazio e traiçoeiro.

Qual o único lado positivo disto tudo?

O previsível ter-se tornado efetivo e de tal forma descarado que a União Europeia parece estar finalmente a acordar para todas as vertentes da ameaça.

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