Os Açores estão a emergir como uma área nevrálgica da geoestratégia mundial, porque a intensificação da presença naval russa e a crescente influência chinesa, aliadas à vulnerabilidade das rotas estratégicas e das infraestruturas críticas submarinas, colocam em risco a segurança transatlântica.
Nestas circunstâncias, para Portugal preservar a soberania no mar que é seu, durante a próxima década deve liderar o esforço coletivo necessário para transformar os Açores num baluarte da dissuasão e defesa aeronaval da NATO e da UE no Atlântico Norte. Os Açores, por estarem localizados no ponto de interseção das rotas marítimas e aéreas entre a Europa e a América, são o guardião natural de uma das principais artérias de comunicação e transporte globais.
Entretanto, a relevância geoestratégica do arquipélago acentuou-se pelo facto de os seus espaços marítimos abrigarem cabos submarinos que transportam grande parte das comunicações internacionais. Estes cabos transmitem dados financeiros, informações governamentais sensíveis e comunicações civis e militares. Por isso, são um alvo preferencial para potências hostis e a sua interrupção, acidental ou deliberada, terá consequências devastadoras para a economia e a segurança dos países aliados.
A confluência das rotas marítimas e aéreas com os cabos submarinos no mar dos Açores, está a criar uma área nevrálgica da geoestratégia mundial, onde será essencial garantir uma presença militar que dissuada e defenda de ameaças à livre circulação de pessoas, mercadorias e informação.
Neste contexto, e no âmbito da emergente competição pelo controlo do Atlântico Norte, a Rússia tem intensificado a sua presença naval em áreas cada vez mais próximas dos Açores. Importa realçar a existência, naquele país, de uma unidade militar designada GUGI, cuja missão é a vigilância, espionagem e sabotagem no mar profundo. Para isso, utiliza os navios da classe 2210 “Almaz”, submarinos capazes de operar até aos 2500 metros de profundidade e drones navais, o que demonstra a capacidade e o interesse de Moscovo em explorar as vulnerabilidades atlânticas da NATO e da UE.
A China, profundamente envolvida na competição marítima mundial, tem efetuado investimentos em portos africanos, sul americanos e europeus. Para além disso, mantém uma presença naval frequente no Atlântico Norte, desenvolve uma diplomacia ativa em países da região e é proprietária de sistemas de cabos submarinos de comunicações. Estes factos traduzem a ambição de Pequim influenciar diretamente as dinâmicas políticas e económicas atlânticas, o que pode comprometer o controlo aliado sobre as suas rotas estratégicas e aumentar a competição por recursos e influência.
Estas condutas ostensivas da Rússia e da China alertam-nos para a necessidade do reforço aeronaval dos Açores, tendo em vista garantir a segurança transatlântica. Contudo, as capacidades militares ali existentes são muito reduzidas e não permitirão cuidar das ameaças emergentes. A Base Aérea das Lajes viu os meios militares dos EUA progressivamente reduzidos com o fim da Guerra Fria e o seu deslocamento para o Indo-Pacífico, enquanto os meios aéreos e navais portugueses empenhados na região são muito limitados e exigem um complemento significativo para acompanharem a crescente complexidade daquelas ameaças.
O reforço aeronaval dos Açores aumentará as despesas militares nacionais. Porém, neste tempo de crescente competição marítima, Portugal deve liderar o efeito dissuasor e a defesa no mar que é seu. Ora, isso implica contribuir, com equilíbrio e proporcionalidade, para manter as rotas marítimas e aéreas abertas, os cabos submarinos seguros e as pessoas, mercadorias e informação a fluírem com a normalidade necessária ao funcionamento das sociedades ocidentais.
Se Portugal não assumir estas responsabilidades, alguns aliados suportarão o encargo. Todavia, como sempre aconteceu quando o país cometeu erros estratégicos semelhantes, esses parceiros far-se-ão pagar muito generosamente com parcelas significativas da soberania nacional, onde os recursos naturais existentes na extensão da plataforma continental nos Açores serão o ativo mais apetecível!
Assim, para enfrentar as ameaças emergentes, evitando os graves inconvenientes antes referidos, as verbas resultantes da subida das despesas de defesa para 2% do PIB até 2029, acrescidas das atualizações que eventualmente resultarem da cimeira da NATO em junho, são uma boa oportunidade para realizar o progressivo reforço aeronaval dos Açores ao longo da próxima década.
Neste âmbito, a modernização da Base Aérea das Lajes precisa de ser uma prioridade, dotando-a de tecnologias de ponta, como sistemas avançados de radar de defesa aérea e de controlo de satélites de vigilância marítima, que aumentem a capacidade de monitorização, conhecimento e resposta militar no Atlântico Norte. Com estes sistemas, a partir da base poderão operar aeronaves de combate, aeronaves de patrulha marítima e luta anti-submarina, bem como drones multifuncionais.
No porto da Praia da Vitória, o cais da NATO e as atuais infraestruturas de apoio carecem de adaptação para receber e sustentar a atividade de submarinos e fragatas, assim como de navios patrulha oceânicos com capacidade de vigilância submarina, do futuro navio multifuncional porta-drones, de drones subaquáticos, de sistemas de deteção de veículos submarinos e de navios hidro-oceanográficos.
A presença destes sistemas e meios, conjugada com a modernização da base aérea e a adaptação do porto, elevará a precisão e rapidez das operações aeronavais e transformará os Açores num ativo valioso para a atuação sustentada e diferenciadora das forças nacionais e aliadas no Atlântico Norte. Contudo, para que estes efeitos militares sejam otimizados, também será necessário rever o estatuto e a missão do Comando Operacional dos Açores (COA), dotando-o com os recursos, as capacidades e as competências adequadas para exercer a função de comando sub-regional especializado em operações aeronavais.
O aumento da presença e atividade russa e chinesa no Atlântico Norte poderá implicar um considerável reforço aeronaval nos Açores, o que só será possível com o contributo de vários aliados. Por isso, a modernização da Base Aérea das Lajes, a adaptação do porto da Praia da Vitória e a capacitação do COA não serão apenas necessidades nacionais, mas um requisito estratégico da NATO e da UE, indispensável à segurança transatlântica. Para a sua concretização, parece importante realizar, junto dos aliados, iniciativas políticas, diplomáticas e militares de alto nível e muito qualificadas que promovam a visão de que o controlo do Atlântico Norte a partir dos Açores protege as ligações vitais que unem continentes e sustentam a ordem global.
Em síntese, num oceano marcado pela intensificação da presença naval russa e da influência chinesa, os Açores estão a tornar-se uma área nevrálgica da geoestratégia mundial, pela sua essencialidade para a proteção das rotas estratégicas e infraestruturas críticas submarinas nas suas proximidades. Porém, o reforço militar necessário à sua proteção, não é apenas um dever nacional, mas uma responsabilidade partilhada entre os aliados.
Para Portugal preservar a soberania no mar que é seu, durante a próxima década deve liderar o esforço coletivo necessário para transformar os Açores num baluarte da dissuasão e defesa aeronaval da NATO e da UE no Atlântico Norte.
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