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Opinião

A reflexão que se impõe

As moscas zumbem em fá. As moscas, todas as moscas, quando voam, produzem a nota musical fá

Nestes tempos incertos, quando se sente a ameaça de um conflito mundial e a consequente possibilidade do fim do mundo, creio que é importante pensar em moscas. Augusto Monterroso, o famoso escritor guatemalteco, escreveu: “Há três temas: o amor, a morte e as moscas.” Vários autores se têm dedicado a pensar sobre os dois primeiros, mas poucos se aventuram a reflectir sobre moscas. Felizmente para os leitores do Expresso, eu tenho muito tempo livre. E empreendi um plano de estudos sobre moscas do qual gostaria de lhes dar conta, nesta introdução fatalmente breve e incompleta. O nosso ponto de partida é uma ideia de John Ruskin, o crítico de arte inglês do século XIX, que observou: “Acredito que em nenhum lugar podemos encontrar um exemplo melhor de uma criatura perfeitamente livre do que a mosca doméstica comum. Não só livre, mas também corajosa; e irreverente a um grau que, penso, nenhum humano poderia elevar-se por qualquer filosofia. Não há cortesia nela; não lhe importa se está a incomodar um rei ou um palhaço; e em cada passo do seu rápido movimento mecânico, e em cada pausa da sua observação resoluta, há uma única e mesma expressão de perfeito egoísmo, perfeita independência e autoconfiança, e a convicção de que o mundo foi feito para as moscas.” Disto não parece haver dúvidas. Em determinado momento da criação, seja quem for que concebeu o mundo teve um pensamento parecido com este: “Isto está bonito: as estrelas, o mar, as montanhas, as árvores. Só falta uma coisa: moscas.” As moscas não foram criadas de ânimo leve. Quem as inventou sabia o que estava a fazer. Dotou-as de um sofisticadíssimo sistema de defesa que torna quase impossível apanhá-las. De quem é que o leitor acha que o Criador gosta mais: de si, que muitas vezes não consegue desviar-se de inimigos nem mesmo quando estão à sua frente; ou de uma mosca, que é capaz de se esquivar de ameaças vindas de todo o lado? Sobre qual destes animais — a mosca e o ser humano — lhe parece que Deus pensou: “Há que investir forte na segurança desta preciosa criatura para tentar protegê-la de todo e qualquer ataque”?

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