Opinião

A alternativa não se pode diluir na alternância – cinco razões para uma candidatura

A alternativa não se pode diluir na alternância – cinco razões para uma candidatura

João Ferreira

Vereador do PCP e candidato da CDU à Câmara Municipal de Lisboa

A construção de uma alternativa de governo para Lisboa deve ser feita de olhos postos no futuro. Mas ignorar as causas e os responsáveis pelos problemas do presente significaria frustrar, mais cedo que tarde, justos anseios de mudança

Lisboa merece e pode ter outra gestão municipal, assente num projeto mobilizador de transformação democrática e progressista da cidade. Na concretização desta empreitada exige-se clareza e rigor. Clareza de propósitos. Rigor na apreciação das forças em presença e na identificação das suas responsabilidades, presentes e passadas, no governo da cidade.

Se é certo que todos os problemas se agravaram nos últimos quatro anos, não é menos certo que a maioria deles não começou em 2021. De forma não exaustiva, olhemos a cinco temas incontornáveis.

Especulação imobiliária e dificuldades de acesso à habitação

Nada caiu do céu: desregulação do mercado de arrendamento, com a facilitação dos despejos e rendas sem limite; atração de procura externa endinheirada ao setor imobiliário, por via de benefícios fiscais; falta de investimento na promoção de habitação pública (quer antes, quer já durante o PRR); inação perante a dimensão do parque habitacional ocioso (48.000 casas permanentemente vazias em Lisboa); desvalorização dos instrumentos de planeamento e ordenamento do território; aprovação e vigência de um Plano Diretor Municipal que é paradigma da visão liberal de cidade. Há responsáveis: PSD/CDS e PS.

Desigualdades sociais e opções orçamentais

Numa cidade socialmente polarizada, a governação nunca é neutra. Neste mandato, a Câmara de Lisboa vai prescindir de mais de 270 milhões de euros do seu orçamento. Mais de metade desta verba será entregue aos 10% de sujeitos passivos de IRS residentes em Lisboa com maiores rendimentos. Muito mais do que a Câmara prevê gastar na reabilitação dos mais de 60 bairros municipais, onde falta quase tudo e onde tanta gente vive em condições indignas. Esta verba chegava e sobrava para, por exemplo, entre outras coisas, requalificar as muitas escolas que se encontram num estado deplorável, na sequência de uma “descentralização de competências” que mantém, desde há anos, pais e filhos entalados num exasperante “jogo do empurra” entre Câmara e Governo, sem que ninguém faça as obras de requalificação necessárias. Há responsáveis: PSD/CDS e PS, que garantiram a aprovação de todos os orçamentos da era Moedas, incluindo a “devolução de IRS”. Responsáveis também pela desresponsabilização do Estado face a funções sociais essenciais, com a transferência de encargos para os municípios sem os correspondentes meios.

Desarticulação e degradação de serviços públicos municipais

Da limpeza e higiene urbana à gestão de equipamentos de uso coletivo, culturais e desportivos, passando pela manutenção e cuidado do espaço público, iluminação, gestão do arvoredo e dos espaços verdes, entre outros. Esta desarticulação e degradação são inseparáveis de um prolongado desinvestimento, sem esquecer a “reforma administrativa”, as opções que se lhe seguiram e os seus efeitos: perda de economias de escala, ineficiências, descoordenação no exercício de competências repartidas por entidades diversas, perda acumulada de conhecimento e de saber-fazer, criação de situações díspares consoante as freguesias, recurso crescente a externalizações (abrindo a porta a clientelismos). Há responsáveis: PSD/CDS e PS.

Degradação ambiental e mobilidade

Aumentou a poluição atmosférica e o ruído. O aeroporto continua a crescer dentro da cidade. Nada foi feito para diminuir o impacto ambiental dos navios de cruzeiro. A hegemonia do automóvel permanece indisputada. A diminuição do preço do transporte público – prova de que são possíveis medidas positivas, fruto da pressão social, mesmo a contragosto de quem governa – não foi acompanhada da melhoria da oferta, que estagnou ou regride. Há 18 anos que não existe uma reformulação geral da rede da Carris. O preço a pagar por se despejarem de milhões de euros em cima de uma linha circular que quase todos criticam será o atraso na chegada do Metro a zonas onde faz mais falta. A promoção da acessibilidade pedonal e da mobilidade suave marca passo, com sinais erráticos e contraditórios. Há responsáveis: PSD/CDS e PS.

Turistificação

O turismo desregulado arrasta conflitos tremendos. Mesmo em zonas ditas de contenção de Alojamento Local, continuam a proliferar novos hotéis, sem qualquer contenção, sem qualquer regulação. O PDM assim o permite. PSD/CDS e PS assim o aprovam: 71 novos empreendimentos turísticos entre 2020 e 2023. A saturação que atingiu outras cidades antes de Lisboa, chega cá em força, sem que quem governa ou governou a cidade tenha aprendido com essas experiências. Enquanto for possível aumentar a taxa turística, não parece haver problema. A “Carta Municipal do Turismo”, proposta pela CDU, com o objetivo de planear e regular a atividade turística, continua na gaveta desde 2018.


A construção de uma alternativa de governo para Lisboa deve ser feita de olhos postos no futuro. Mas ignorar as causas e os responsáveis pelos problemas do presente significaria frustrar, mais cedo que tarde, justos anseios de mudança. A CDU não o fará. Não será por falta de projeto ou de protagonistas que a mudança não se fará: eles estão aqui, neste espaço aberto de convergência democrática para a concretização de todas as transformações necessárias.

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