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Opinião

Avencas, girassóis, rosas e sardinheiras

Avencas, girassóis, rosas e sardinheiras

Isabela Figueiredo

Escritora, vencedora do Prémio Urbano Tavares Rodrigues

A todo o momento me deparo com nichos vazios e feios que poderiam voltar à vida com uns vasos de flores, plantas e catos

Gosto de flores e plantas como qualquer pessoa que veio de África. Após a chegada, quando a vida começou a normalizar, quase todos replicámos em vasos a beleza natural do espaço de onde viemos. Enchemos de verde qualquer cantinho não aproveitado. “Aqui ficam bem umas palmeiras, ali uma avenca e uma pata de elefante.” Acho que já ninguém sabe o que é uma pata de elefante. Antes de ter escrito o “Caderno de Memórias Coloniais”, pensava ser a única testemunha do mundo colonial. Nunca ninguém me tinha dito “vi e senti o que relata”, mas também nunca tinha tido coragem para o revelar. Depois começaram a aparecer os irmãos moçambicanos que me validaram. A pouco e pouco. Com o capítulo ‘Sala de estar’ de “A Gorda” começaram a sussurrar-me, “a minha mãe é tal e qual como foi a sua, com a loucura das plantas”. Para mim não há loucura, apenas limites. A sala não é uma selva de vegetação densa. Hoje, sinto que fui injusta ao ter recriminado a minha mãe por excesso de plantas dentro de casa. Ela adorava-as. Também regava as árvores da rua que lhe pareciam mais necessitadas. As que se desenvolviam com dificuldade. Desconfiava que alguns vizinhos eram o Darth Vader das árvores. E se calhar eram. As pessoas não gostam de árvores nem de nada. São más, ponto final, exceto o motorista de Uber que há meses me ofereceu uma viagem. Quanto à minha mãe, não posso voltar atrás. Tenho de viver com a minha culpa.

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