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Opinião

Ministério da Percepção Interna

O mais interessante nas percepções é que, em rigor, não são percepções. É possível que aquilo a que se tem chamado percepção seja uma sensação

Otelo tinha, como é sabido, a percepção de que a sua mulher, Desdémona, o traía com Cássio. Por causa dessa percepção, matou-a. A percepção era falsa, mas a morte aconteceu mesmo. O mais interessante nas percepções é que, em rigor, não são percepções. Se o que se percebe não existe, o mais certo é não estarmos a perceber nada, pelo que a palavra percepção talvez não se aplique. É possível que aquilo a que se tem chamado percepção seja, na verdade, uma sensação. E esse é o problema porque os sentimentos parecem ter obtido, nos últimos anos, um prestígio que, francamente, não merecem. Nota-se na linguagem. O coração, que alegadamente sente, tem muito melhor imprensa do que o cérebro, que comprovadamente pensa. Ora, o coração é uma bomba hidráulica. Uma aborrecida, burocrática, fabril bomba hidráulica. Suga sangue por um lado, esguicha sangue pelo outro. Não sente nada. Não ama coisa nenhuma. É um músculo. Além do mais, é horrível. Tão feio que, para lhe melhorar a imagem, alguém resolveu desenhar a versão estilizada que hoje conhecemos, e que é em tudo igual ao traseiro de um babuíno. Notem bem: trata-se de um órgão tão grotesco que assemelhá-lo ao traseiro de um babuíno foi um favor que lhe fizeram. No entanto, o coração exerce sobre as pessoas um fascínio incompreensível. Sobretudo em comparação com o cérebro, que tem muito má fama. O coração é puro, o cérebro é diabólico.

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