Opinião

Fui hoje despedir-me do Daniel Ribeiro

Faleceu na sexta-feira, dia 10, em Lisboa, mas foi em Paris que viveu e trabalhou nos anos de ouro da sua vida. Tinha 71 anos e um historial como correspondente radicado em França absolutamente notável. Sempre discreto, mesmo modesto, nem por isso deixava de reconhecer a riqueza e variedade do seu percurso profissional

Fui hoje despedir-me do Daniel Ribeiro. Jornalista radicado durante mais de 40 anos em Paris, foi seguramente o melhor correspondente português no estrangeiro do semanário Expresso. Atrevo-me mesmo a dizer que terá sido um dos mais competentes e versáteis correspondentes da imprensa escrita portuguesa da sua (e minha) geração.

Faleceu na sexta-feira, dia 10, em Lisboa, mas foi em Paris que viveu e trabalhou nos anos de ouro da sua vida. Tinha 71 anos e um historial como correspondente radicado em França absolutamente notável. Sempre discreto, mesmo modesto, nem por isso deixava de reconhecer a riqueza e variedade do seu percurso profissional. Em julho último, numa das muitas conversas que tínhamos a partir do que ia sucedendo em França, comentou um livrinho que eu acabara de lançar em Lisboa, para se lamentar no seu jeito descontraído e muito peculiar: “Também tenho uns livros na calha, mas sou calaceiro”. Infelizmente nunca os escreveu. E todos ficámos a perder.

Sem nunca termos trabalhado no mesmo espaço físico, colaborámos uns bons 40 anos: dez no semanário O Jornal e quase trinta aqui no Expresso. Camaradas de profissão e colegas no mesmo jornal, passámos rapidamente a amigos. A partir de certa altura, sempre que eu ia a Paris, nunca deixava de o procurar, fosse em serviço, fosse de férias. Era obrigatório. Profundamente culto, conhecia Paris como poucos e, como pessoa, era um encanto.

Na redação, havia quem lhe chamasse, sempre com ternura e numa alusão ao apelido, “Daniel petite rivière”. Era um correspondente extremamente versátil, que dominava com mestria mas de forma despretensiosa os principais géneros jornalísticos. Tinha um faro apuradíssimo para a notícia em primeira mão, a chamada “cacha”, que tratava de forma cautelosa e prudente, tratando de a confirmar ou contraditar. Sabia comentar, de forma sóbria e sintética, género que cultivava sobretudo enquanto colaborador da rádio – do serviço português da Radio France Inter, da parisiense Rádio Alfa, mas também da Antena 1. Tinha um gosto muito especial pela grande reportagem, sobretudo quando envolvia acontecimentos ou figuras da política, da diplomacia e da cultura.

Dominava perfeitamente a arte e os segredos da grande entrevista. Acompanhava em permanência o essencial da atualidade francesa e francófona. De uma grande generosidade, estava sempre pronto a ajudar e a colaborar com os colegas: partilhando os seus inúmeros contactos profissionais, fornecendo novas pistas de investigação, enquadrando histórica e localmente o trabalho em causa ou disponibilizando-se a fazer o respetivo follow up.

Respirava política e diplomacia por todos os poros – a francesa, antes de mais, também a portuguesa, e com uma grande atenção ao que se passava em alguns dos PALOP, especialmente Angola e Guiné-Bissau. Estava igualmente atento à vastíssima comunidade portuguesa em França, de que de resto fazia parte. Foi mesmo, durante vários anos, diretor da Rádio Alfa, dando-lhe um cariz profissional e respeitado na área da informação. Acompanhava os problemas da comunidade, as suas aspirações, sucessos e iniciativas, atento aos luso-descendentes que se iam destacando na política gaulesa, na economia, no desporto, na cultura. Aliás, esta era uma área em que se sentia especialmente à vontade, já que privou com inúmeras figuras da cultura portuguesa, sejam as radicadas em França, sejam as que escalavam regularmente em Paris – da literatura, da pintura, do cinema, da música, da filosofia.

Durante quatro décadas, foi sobretudo através do Daniel Ribeiro que me fui informando do que se passava de realmente importante em França. Era ele quem me ajudava a compreender e a interpretar as novas e os ventos que sopravam de Paris. Quando, em 2023, deixou de colaborar no Expresso, continuei a recorrer à sua experiência e sabedoria: pelo telemóvel, por email ou até em encontros fortuitos por Lisboa, onde quase nunca temos oportunidade para nos encontrarmos com os amigos. Agora, francófono de formação e que continuo a ser, deixei de ter quem me guie pelos complexos e surpreendentes meandros e caminhos da política, da cultura e da sociedade francesa.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: jpcastanheira@expresso.impresa.pt

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