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Opinião

Como enganar os tolos

A votação da nova Lei dos solos na Assembleia da República será um raro momento de verdade ou de máscaras

Se querem saber como ficará grande parte do país se for para a frente a alteração profunda ao Regulamento Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, vulgo Lei dos solos, pensem no que era a Ericeira há 20 anos e no que é hoje. Há 20 anos, antes do boom do surf, a Ericeira era uma pequena e agradável vila piscatória que, além do centro histórico, se dispersava suavemente em esparsas casas pelos montes circundantes. Hoje, o tal centro, com o seu Largo do Jogo da Bola, só é descortinável por quem o procurar, esmagado que está por uma avalancha de betão em toda a volta, e pelas encostas dos montes acima cresceu uma floresta de construções de toda a espécie, altura e volumetria, sem nenhuma ordem urbanística ou harmonia arquitectónica, ocupando cimos, vales, curvas de nível, todos os espaços para qualquer lado que se olhe: um pesadelo. Não sei que leis ou regulamentos permitiram tamanho deboche — ou, não o permitindo, como foram tão facilmente contornados. Mas se a alteração à Lei dos solos proposta pelo Governo da AD for por diante, este será, disso não tenho dúvidas, o futuro de todas as outras Ericeiras do país que ainda restam por esmagar. O pretexto é facultar à construção o acesso aos terrenos rústicos, incluindo em zonas de paisagem protegida, linhas de água e reserva agrícola, para, a “custos moderados”, construir habitação “acessível”. Um imenso barrete, desde logo nos seus pressupostos: “custos moderados”, diz a lei, são aqueles que não ultrapassem em mais de 125% o valor médio da habitação do concelho: ou seja, 25% a mais do que os custos especulativos já existentes. E, mesmo assim, tal só se aplicará a 70% das novas construções. Bastava isto para perceber que, mesmo que fosse possível controlar na prática as limitações, tal já seria um excelente negócio oferecido de bandeja à especulação imobiliária, sem qualquer garantia, antes pelo contrário, de que implicaria mais habitação ‘acessível’ à classe média e média-baixa: o Pai Natal já passou.

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