A União Africana decidiu fazer das reparações pelos crimes históricos o seu tema central para 2025
Dia 1 de janeiro celebrou-se a independência do Haiti. Inspirados pela Revolução Francesa e revoltados pela modéstia das suas promessas emancipatórias, limitadas a proprietários masculinos e brancos, os escravizados negros e mulatos insurgiram-se contra o Governo colonial francês. A Constituição haitiana de 1805, apenas recentemente resgatada das margens, como expressivamente escreve o constitucionalista Günter Frankenberg, foi verdadeiramente revolucionária. Aboliu a escravatura “para sempre” e desenhou uma narrativa constitucional alternativa à que então se afirmava em solo europeu e norte-americano, estabelecendo a igualdade radical entre todos os haitianos, como irmãos, proibindo “quaisquer títulos, vantagens ou privilégios”. Rodeada de potências esclavagistas, esta narrativa pós-colonial radical foi inexoravelmente esmagada. França exigiu o pagamento de indemnizações exorbitantes aos proprietários que se viram desapossados dos escravizados. Os Estados Unidos, temendo o contágio de ideais emancipatórios, isolaram o país diplomaticamente, contribuindo para o seu estrangulamento económico. O resto da história do Haiti é, infelizmente, bem conhecida. Mas a inspiração emancipatória da Constituição de 1805 perdura. Esse constitucionalismo transformador encontra-se em outros instrumentos mais recentes, como a Constituição sul-africana pós-apartheid ou mesmo a nossa Constituição de 1976. Estes documentos pós-revolucionários não se limitam a distribuir poderes e a elencar os direitos dos indivíduos; incorporam também planos de ação normativos que vinculam o Estado em matéria de justiça social face a um passado problemático. São textos constitucionais que visam não só regular prospetivamente o futuro, mas também reparar um passado injusto.
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