Quando convido as pessoas para almoçar aqui em minha casa num dia de semana, os lisboetas tratam-me como um gajo esquisito. No Porto isso seria só segunda-feira
Na geografia são 300 km, na geografia humana a distância leva mais um zero: entro no Porto sempre com a sensação de que estou a entrar noutro país ou numa versão passada ou futura de Portugal. À saída da estação, duas netas passeiam uma avó marreca. Reparem que a senhora é marreca em 90 graus, as pernas e o tronco fazem um ângulo reto perfeito. Indiferentes a essa debilidade que seria embaraçosa em Lisboa, as netas passeiam a avó. Chego à praça de táxis e não me lembro do nome do hotel; tiro o telemóvel do bolso e carrego no mapa. O senhor taxista tira-me o telemóvel das mãos como se fosse da família, “Ora deixa cá ver isso, ah, já sei!” Em Lisboa, esta cena acabaria à pancada porque eu ia assumir que o taxista era um guna a fazer uns biscates com o turista incauto. Mas aqui tudo flui como um aperto de mão entre amigos, há uma linguagem escondida no portuense feita de gestos e tons de voz que vai muito além da formalidade verbal da capital. Numa sala é fácil ver quem é do Porto e quem é de Lisboa: os do Porto falam com o corpo, são mais reais e genuínos; os de Lisboa são esfinges, estão a mentir com o corpo. Entro num café; sento-me para rever a conferência que vou dar daqui a pouco. Às tantas, uma senhora toca-me nas costas, “Ó amor, tens o casaco do chão.” Sou capaz de jurar que ouvi “tendes”, mas isso já me parece efabulação. Obrigado, minha senhora! Senhora, essa, que interrompeu o seu chá e andou uns dez metros só porque eu tinha um casaco no chão. Esta cena seria inverosímil num café equivalente em Lisboa. Quando uma lisboeta tiver esta gentileza comigo, levá-la-ei a um laboratório para registo de patente.
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