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Opinião

Não sei porquê mas não me cheira

É tempo de alguém dizer o óbvio: há qualquer coisa de profundamente errado no modo como os publicitários pretendem vender-nos perfumes

A nossa sociedade lida com vários problemas, e não é minha intenção diminuí-los. Mas creio que há questões graves que permanecem esquecidas, em torno das quais vigora um silêncio suspeito. Todos os dias espero um sinal da parte do poder político, das forças da autoridade, da comunicação social — mas nada. É tempo de alguém dizer o óbvio: há qualquer coisa de profundamente errado no modo como os publicitários pretendem vender-nos perfumes. Deixem-me dar alguns exemplos. O actor Johnny Depp está sozinho no deserto a tocar, numa guitarra eléctrica, o tema ‘Wild Thing’. Nisto, alertados pelo barulho, aparecem uns lobos. O actor Johnny Depp poisa a guitarra no chão e começa a andar sem destino, e os lobos seguem-no. O actor Johnny Depp profere a frase sem verbo “Na natureza, destemido e humano.” E a seguir aparece um frasquinho do perfume Sauvage, da Dior. Quem concebeu isto? Quem vê e decide que, de facto, deseja cheirar àquela ideia? Que ideia é, já agora? Onde está ligada a guitarra eléctrica, visto que não parece haver uma tomada num raio de 200 quilómetros? Faltam-me capacidades hermenêuticas para interpretar o anúncio, mas o facto de uma alcateia inteira não manifestar o mínimo interesse em comer o actor Johnny Depp parece indicar que ele cheira a qualquer coisa meio repelente. São lobos do deserto, onde a comida não deve abundar. Ainda assim, não lhes passa pela cabeça rilhar os ossos de um palerma que foi tocar guitarra para o meio de um descampado.

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