Para quando uma Força Aérea e Espacial Portuguesa?
Falta pensar o espaço do ponto de vista da política de defesa. A Força Aérea Portuguesa é a única entidade capaz de responder ao desafio da militarização crescente do espaço exterior
Francisco Pereira Coutinho e João Nuno Frazão
Coordenadores do Centro de Investigação de Direito Espacial (SPARC) da NOVA School of Law
Falta pensar o espaço do ponto de vista da política de defesa. A Força Aérea Portuguesa é a única entidade capaz de responder ao desafio da militarização crescente do espaço exterior
O espaço exterior será, porventura, a última fronteira do conhecimento humano. O início da conquista espacial, em plena guerra fria, foi, paradoxalmente, um tempo de concórdia. É disso testemunha o Tratado sobre o Espaço Exterior, de 1967, em que se declara o espaço como património comum da humanidade, se proscrevem reivindicações de soberania sobre corpos celestes e se proíbe a colocação em órbita de armas nucleares.
São tempos que não voltam. O espaço é hoje um domínio crescentemente disputado e congestionado. Deixou de ser um domínio exclusivo de superpotências. Elon Musk, o “first-buddy” (palavra de Trump), quer colocar humanos em Marte daqui a quatro anos (leu bem). Pode não ser um sonho alucinado do dono de uma constelação de 7 000 satélites do sistema Starlink (essencial para as comunicações do exército ucraniano), cuja empresa Space X lança mais foguetes e transporta mais satélites do que todas as outras entidades espaciais (estaduais e não estaduais) combinadas.
Mais preocupante, mas não surpreendente dado o estado atual de erosão da ordem internacional liberal onusiana, vem a ser a crescente militarização ilícita do espaço. Três meses antes do início da agressão russa em larga escala à Ucrânia, numa clara manifestação hostil (e irresponsável) de força, um míssil lançado do cosmódromo russo de Plesetsk destruiu um satélite soviético obsoleto, lançando em órbita 1 800 fragmentos de lixo espacial. Parece provável que o primeiro ataque de um conflito entre potências nucleares tenha lugar no espaço.
Portugal tem uma estratégia para o espaço, tendo para o efeito adotado legislação setorial desde 2018. Tem, inclusivamente, uma agência espacial, em funcionamento desde 2019. A estratégia portuguesa para o espaço está, contudo, limitada a atividades espaciais de natureza civil e comercial. Falta pensar o espaço do ponto de vista da política de defesa, no contexto da pertença portuguesa à NATO e, sobretudo, à União Europeia.
Este não é um assunto esotérico. Em 2015, a China criou uma força espacial de defesa como parte da força de apoio estratégico do exército chinês e, em 2024, foi mais longe, estabelecendo a força aeroespacial do Exército de Libertação Popular. Em 2019, os Estados Unidos da América criaram também a sua própria força espacial, instituindo um sexto ramo nas suas forças armadas. No contexto europeu, o Estado francês integrou um domínio do espaço na sua força aérea (Armée de l'air et de l'espace), em 2020. Espanha seguiu idêntico caminho, em 2022 (Ejército del Aire y del Espacio). Em causa não está apenas uma simples questão de nomenclatura. Pretende-se, acima de tudo, desenvolver capacidades e criar infraestruturas capazes de assegurar a gestão e a monitorização do tráfego espacial, a deteção de ameaças em órbita e resposta às mesmas (ofensiva ou defensiva), bem como a proteção de infraestruturas críticas, tanto terrestres como em órbita.
Em Portugal, a Força Aérea é a única entidade capaz de responder ao desafio da militarização crescente do espaço exterior. Desde logo, porque o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea (CEMFA) é, por inerência, a Autoridade Aeronáutica Nacional. Acresce que a Força Aérea adotou recentemente a “Diretiva Estratégica 2022-2025”, na qual declarou que o espaço e o ciberespaço serão integrados nas suas capacidades operacionais. Em funcionamento está já o Centro de Operações Espaciais do Comando Aéreo da Força Aérea. São também múltiplas as iniciativas ao nível da formação e investigação, designadamente através da criação do Centro de Estudos Aeroespaciais da Academia da Força Aérea, da participação no Centro de Tecnologia e Inovação (CTI) Aeroespacial, que combina a vertente operacional com a engenharia e a indústria, entre outros domínios, e da cooperação com o Centro de Investigação de Direito Espacial (SPARC) da NOVA School of Law.
Os complexos e prementes desafios de segurança e defesa que se colocam à Europa no presente exigem mais, muito mais, dos decisores políticos. A guerra na Ucrânia e a vitória de Donald Trump vão provavelmente implicar, a curto prazo, a necessidade de duplicação do orçamento português em defesa, para atingir o patamar base de 3% do PIB. Colocar a pedra angular da defesa espacial do Estado português é, em contrapartida, extraordinariamente simples e barato. Basta, para o efeito, integrar o domínio do espaço na Força Aérea e transformar esta última na Força Aérea e Espacial Portuguesa.
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