O clima, o oceano e a igualdade de género
Delegações como as da Arábia Saudita, Irão, Rússia, Egito e Santa Sé opuseram-se a várias referências sobre a igualdade de género e a proteção das mulheres nos documentos finais da COP29
Ex-diretor-geral de Política do Mar
Delegações como as da Arábia Saudita, Irão, Rússia, Egito e Santa Sé opuseram-se a várias referências sobre a igualdade de género e a proteção das mulheres nos documentos finais da COP29
Terminou há dias a 29.ª Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP29), realizada no Azerbaijão. Estiveram ausentes muitos chefes de estado e de governo, incluindo os de Portugal, mas o evento teve os habituais holofotes mediáticos que pressionam os governos a produzirem alguns resultados. Após negociações intensas, concluiu-se um acordo que prevê mais financiamento climático pelos países ricos aos países em desenvolvimento. Infelizmente, países como a China assumem apenas contributos financeiros voluntários, e foi adiada uma decisão firme sobre a redução do consumo global de combustíveis fósseis.
Digno de nota positiva foi o protagonismo de dois temas que não têm tido o devido reconhecimento político nas cimeiras de clima, apesar de colherem um alargado consenso científico. Refiro-me à promoção da igualdade de género e à proteção do oceano.
Em grande parte do mundo, as mulheres são mais afetadas pelas alterações climáticas do que os homens. Este efeito está relacionado com o papel que tradicionalmente desempenham em países particularmente vulneráveis à crise climática. Tem a ver, por exemplo, com o tipo de agricultura e pecuária que praticam, com riscos de segurança e de saúde associados a determinadas tarefas que assumem, ou com o acesso desigual a informação e aos processos de decisão estratégica. Aliás, na fotografia tirada no dia seguinte à abertura da COP29, só se contam oito mulheres entre os 78 chefes de delegação. Uma melhor integração das mulheres na definição e implementação das políticas climáticas é da maior relevância, e a criação de programas com este objetivo tem sido abordada. Lamentavelmente, delegações como as da Arábia Saudita, do Irão, da Rússia, do Egito e da Santa Sé opuseram-se a várias referências sobre a igualdade de género e a proteção das mulheres nos documentos finais da COP29.
Fazendo a transição para o tema seguinte, apraz-me registar que a Ministra do Ambiente e Energia liderou da delegação de Portugal, que integrou várias outras delegadas de elevada senioridade, como a Secretária de Estado do Mar ou a Diretora Geral de Política do Mar. A presença de mulheres ligadas à área governativa do Mar na delegação portuguesa à COP29 transmite uma mensagem importante. De facto, a interdependência entre o clima e o oceano é outro aspeto com amplo reconhecimento científico, mas sem o correspondente reconhecimento político. Na COP29, registou-se algum progresso apesar da falta de visibilidade da matéria nos documentos finais.
A ciência tem exposto os laços fortes que existem entre os fenómenos atmosféricos e oceânicos no nosso planeta. Problemas como a subida do nível do mar e a expansão térmica do oceano, a acidificação, as alterações de distribuição de recursos pesqueiros, e a destruição de importantes ecossistemas marinhos e costeiros, que são sumidouros de carbono azul, têm frequentemente a mesma causa – o aumento das emissões de gases com efeito de estufa pela ação humana. A mesma causa tem também a mesma solução, e a defesa do oceano é parte central dessa solução. A transição para energias renováveis com abandono gradual de combustíveis fósseis, a conservação e restauro dos ecossistemas marinhos fixadores de carbono, e o recurso crescente à aquacultura sustentável em substituição de outras formas de produção de alimentos com maior impacto ambiental, são peças chave dessa solução.
Em paralelo com a COP29, o Brasil organizou a cimeira do G20 no Rio de Janeiro, a cidade berço da Agenda do Desenvolvimento Sustentável. Aqui, os líderes mundiais apareceram em peso, incluindo o nosso chefe de governo, mas a desigualdade de género foi também patente na fotografia de grupo. A declaração final dos líderes reflete a prioridade que o atual governo brasileiro atribui às questões sociais e ambientais, e refere a promoção do desenvolvimento sustentável, das transições energéticas e da ação climática.
No próximo ano, a COP30 será em Belém do Pará, entre Amazónia e o Atlântico. Desejo sucesso à presidência brasileira, e espero ver um renovado impulso no reconhecimento das questões do oceano e da igualdade de género nas políticas de combate às alterações climáticas.
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