Opinião

Constelações de poder no Médio Oriente

Constelações de poder no Médio Oriente

Corina Lozovan

Investigadora e doutoranda do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

Atualmente, as transformações no Médio Oriente refletem a entropia do mundo, em que o poder se difunde de forma rápida e caótica, com várias constelações de poder que emergem, se consolidam e, por vezes, se dissipam, moldando um cenário geopolítico tão dinâmico quanto volátil

O panorama político do Médio Oriente foi, ao longo da história, muitas vezes moldado por poderes externos, que agiram como forças gravitacionais, atraindo os países para dentro das suas respetivas órbitas de influência. O certo é que agora, essas órbitas, já não abrangem os mesmos países – como o Reino Unido, a França e os Estados Unidos – que detiveram a carte blanche sobre a dinâmica política, económica e militar da região.

O declínio da hegemonia de potências ocidentais, o crescimento da influência da China e o próprio fortalecimento de atores regionais independentes alteram a configuração de poder. O Médio Oriente é a área de estudo que mais fascina pela sua complexidade e constelações de poder. Tal como as estrelas numa constelação, que se movem lentamente ao longo do tempo, os países da região encontram-se num processo contínuo de reposicionamento, tecendo novas alianças e reconfigurando os seus interesses. O conflito em Gaza é um ponto de inflexão crucial neste realinhamento, em que a arquitetura de segurança regional enfrenta desafios e, simultaneamente, exige soluções mais flexíveis e multifacetadas.

Neste contexto, a nova administração do presidente americano Donald Trump encontrará um Médio Oriente alterado, com uma dinâmica renovada, da qual a própria Europa, incluindo Portugal, não se apercebeu completamente ainda. Para já, podemos observar três constelações de poder que se desenrolam no cenário atual:

1. A Constelação da Fragmentação

No campo estelar geopolítico, a fragmentação da região caracteriza-se por múltiplos centros de poder. Por um lado, temos duas frentes – a Liga Árabe e o Conselho de Cooperação do Golfo – que, de certo modo, competem pela influência nos assuntos árabes. Por outro, temos as tensões históricas e os interesses que colidem entre o Israel, o Irão e a Turquia, gerando desequilíbrios regionais. Os Acordos de Abraão (Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Marrocos e Sudão) representaram um passo significativo na tentativa de reconciliar esses interesses, com Riade também em negociações para se juntar a esses países signatários antes dos ataques do Hamas. Neste sentido, a crescente influência do Irão no Iraque, na Síria e no Líbano, assim como o seu apoio ao Hezbollah e aos Hutis, representa um dos eixos de poder. A assertividade crescente da Turquia sob a liderança do Presidente Erdogan, alinhada com determinados estados do Golfo, configura outro. Todavia, a variável incerta – o Irão – ganha uma nova perspetiva (prudente) com o acordo mediado pela China com a Arábia Saudita. 

No Norte de África temos outro eixo de poder, onde o quadro geopolítico é marcado pelo conflito na Líbia, com uma crescente influência da Turquia e da Rússia, como também de alguns países do Golfo. O Egipto, com a sua posição estratégica e fortes capacidades militares, continua a ser um ator regional chave, na mediação de conflitos para estabilizar países vizinhos. 

2. A Constelação da Recalibração das Potências Externas

A influência da China e da Rússia na região representa uma nova competição para os Estados Unidos e para a Europa. A Rússia, com intervenções táticas na Síria e noutros locais, tem procurado parcerias com o Irão, a Turquia e as monarquias árabes, o que reflete uma presença mais estratégica. A China, por sua vez, expande a sua presença económica, oferecendo um modelo de não-intervenção e influência económica. Em consonância, a adesão do Egito, dos Emirados Árabes Unidos e do Irão ao BRICS sinaliza a crescente integração da região nos esforços do Sul Global. 

Paralelamente, a primeira cimeira EU-Golfo em Outubro deste ano, foi um sinal importante de interesse estratégico para aprofundar a cooperação entre os dois blocos. Embora a credibilidade da Europa na região seja questionada, existem oportunidades para reforçar as relações, especialmente no que diz respeito à mediação de desafios regionais. A Europa poderia assumir um papel mais ativo na reconciliação táctica com o Irão, especialmente no contexto do seu programa nuclear. Os estados do Golfo, por sua vez, partilham o interesse em mitigar os conflitos e evitar uma guerra regional. 

3. A Constelação da Soberania numa Visão Multipolar Regional

As visões futuristas delineadas pelas monarquias do Golfo refletem o seu desiderato de alcançar maior autonomia estratégica, almejando diversificar as suas parcerias internacionais, incluindo a China, a Índia, a Rússia e outros atores não ocidentais. Assim, como temos observado recentemente, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos e o Qatar têm demonstrado uma maior independência, privilegiando alianças pragmáticas baseadas em interesses imediatos em vez de laços ideológicos. Neste ambiente de reorganização multipolar, os países árabes afastam-se da sua dependência histórica das potências externas ocidentais e procuram moldar um futuro com as suas próprias políticas de segurança, economia e diplomacia. Os seus projetos de desenvolvimento abrangem avanços tecnológicos, ambições espaciais e nucleares, assim como esforços para mediar negociações de paz (e.g., Qatar e Omã) e resolver os conflitos na região. Neste contexto, as rivalidades internas coexistem com aspirações de liderança regional. A capacidade dos países em gerir estas tensões, enquanto se afirmam através da sua política externa, será decisiva para o futuro do Médio Oriente nas relações internacionais.

Nestas constelações de poder persiste o elemento da incerteza, que predomina no cenário geopolítico, especialmente no terreno. Assistimos a uma ordem regional que procura ser mais autodeterminada, embora o processo de autonomia estratégica seja ainda muito lento, tendo em conta o conflito israelo-palestiniano e outras crises que possam emergir. No entanto, o Médio Oriente precisa de ser mais coeso e resolver as suas divergências. As constelações de poder, afinal, podem unir-se, coexistir ou até dissolver-se, mas, acima de tudo, no seu âmago, deveriam trazer a visão futurista de paz e reconciliação às pessoas.  

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