Opinião

Baku: quando a diplomacia falha, o mundo perde

Baku: quando a diplomacia falha, o mundo perde

Pedro Martins Barata

Economista e sócio da Get2C

A Presidência de uma COP é um dos pilares fundamentais para assegurar que os processos de negociação climática avançam de forma justa e eficaz. Quando essa liderança falha – como se viu em Baku – o resultado é uma crise de confiança e o travão a decisões essenciais para combater as alterações climáticas. Este cenário recorda outros episódios frustrantes, como em 2009, quando uma tentativa unilateral de impor um acordo quase implodiu o processo

A importância de uma Presidência da COP que respeita os processos formais e até os informais, mas consuetudinários, só é percetível quando as coisas correm mal. Como em 2009, quando a Presidência dinamarquesa tentou, de uma forma canhestra, impor a um conjunto significativo de países um acordo com pouquíssima legitimidade, cozinhado por alguns líderes mundiais (Obama, Wen Jiabao, Merkel) à porta fechada. Isto ao mesmo tempo que fechava a porta a reuniões com o grupo de países africanos, por exemplo.

As COP, como as reuniões diplomáticas mais importantes, estão cheias de rituais e regras procedimentais. Elas não existem por acaso. Refletem muitas vezes o trabalho de gerações de negociadores, não só em alterações climáticas e ambiente, mas em todos os domínios e estão lá para garantir a durabilidade e inviolabilidade dos processos.

Desta feita, a inoperância desta Presidência ficou patente quando tentou, de forma bastante canhestra, aprovar no plenário final um texto a que vários países tinham objetado nas conversas informais com a Presidência. Ao martelar a decisão sem dar espaço às intervenções dos países objetores, ficou patente a falta de diplomacia da Presidência e o golpe na confiança que os países em desenvolvimento têm neste processo.

Esta COP tinha três grandes temas: o financiamento, o plano de mitigação saído das conclusões do ano passado e as regras do mercado de carbono.

No financiamento, a COP ficou muito aquém daquilo que o próprio UNEP Emissions Gap Report tinha previsto como financiamento necessário – 1 300 000 000 000 dólares americanos por ano. Desses 1,3 “trillion” os Estados acertaram apenas em aumentar a meta anual para 300 “billion” – um quarto das necessidades identificadas, e mesmo assim contabilizando nesse total não apenas a ajuda direta orçamental, mas todo o tipo de financiamento multilateral, incluindo o financiamento a taxas de juro comerciais. É aliás sobre este ponto que incidiu muita da questão financeira. Não se trata apenas da insuficiência dos montantes, mas também do facto hediondo de que a grande maioria daquilo que hoje é classificado como “financiamento climático” pelos países desenvolvidos não é, nem financiamento necessariamente a atividades de mitigação ou adaptação, nem, sobretudo, é financiamento concessional. Em muitos dos casos os fluxos de financiamento são negativos para os próprios países recetores do financiamento: pagam mais em juros do que recebem em financiamento. O texto da COP menciona estes temas da “qualidade do financiamento” pela primeira vez, mas o valor final continua a ser extremamente insuficiente.

Sobre o tema da mitigação, havia a expectativa de que se pudesse avançar na agenda de como apoiar os países a cumprir com os objetivos traçados há um ano de triplicar o desenvolvimento de energias renováveis até 2030. Contudo, a oposição despudorada da Arábia Saudita e dos demais produtores de petróleo, impediram quaisquer avanços significativos nesta agenda.

Finalmente, foi no tema dos mercados de carbono que a COP averbou o seu magro sucesso, ao terminar o edifício de regras que sustentam o mercado internacional de carbono – o chamado Artigo 6 do Acordo de Paris. Ao fim de nove anos, as regras agora estabelecidas irão permitir aos países começar a transação de unidades de mitigação. As regras técnicas são longe de perfeitas e acrescentam enorme complexidade a um tema já de si complexo, mas a questão da integridade ambiental destas transações vai agora ter de ser dirimida na prática pelos próprios países que participam nestes mecanismos de mercado.

Este processo da COP está cada vez mais longe daquilo que a ciência climática e a economia prescrevem como sendo necessário. Existem razões para otimismo na luta contra os piores efeitos das alterações climáticas. Infelizmente, Baku não adicionou a essa lista. Esperemos por melhor em Belém.

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