Opinião

O que é stealthing? Uma forma de violência sexual ainda não criminalizada em Portugal

O que é stealthing? Uma forma de violência sexual ainda não criminalizada em Portugal

Clara Não

Ilustradora, ativista, autora

Há muitas formas de violência sexual. Uma delas é o “stealthing”. A prática execrável do stealthing foi trazida novamente à discussão pública graças a uma denúncia contra um pianista de jazz, que desencadeou uma onda de denúncias que há muito estava para rebentar. Neste artigo podem saber mais sobre esta forma de violência sexual e a petição que pretende fazer com que o stealthing seja criminalizado em Portugal

Nota introdutória

Há muitas formas de violência sexual. Podem acontecer na rua, no trabalho, na escola e até na própria casa ou na casa do namorado ou namorada. A verdade é que ainda persiste a ideia de que a violência sexual na generalidade acontece vinda de um estranho, quando, na maioria das vezes, os predadores, os violadores, os abusadores são familiares ou conhecidos da vítima. Dados oficiais das UN Women afirmam igualmente que, a nível global, 15 milhões de adolescentes, entre os 15 e os 19 anos, já foram vítimas de atividade sexual forçada vinda de um parceiro ou ex-parceiro, marido ou ex-marido.

Uma das formas de violência sexual é o “stealthing”. A prática execrável do stealthing foi trazida novamente à discussão pública graças auma denúncia contra um pianista de jazz que desencadeou uma onda de denúncias que há muito estava para rebentar.

Também neste artigo falo da petição, neste momento ativa, com o objetivo de criminalizar o stealthing em Portugal.

O que é o stealthing?

O stealthing, de forma simplificada, é o ato de remover o preservativo durante a relação sexual sem o consentimento do/a parceiro/a. Também é considerado stealthing quando ambas as pessoas acordam que irão usar preservativo, mas a pessoa que penetra mente quanto ao uso do preservativo durante o ato.

Em países como Inglaterra e País de Gales, o stealthing já é legalmente enquadrado dentro da violação sexual, ou seja, é considerado uma violação. Na Holanda, em março de 2023, pela primeira vez, um homem foi condenado por stealthing. Em Espanha, na Suíça e na Alemanha e em alguns Estados dos EUA, a prática do stealthing já é considerada violência sexual punível por lei. No entanto, em Portugal, “a legislação atual não aborda especificamente o stealthing, deixando as vítimas desprotegidas e sem mecanismos legais específicos para denunciar e obter justiça”, como se pode ler na petição para criminalizar o stealthing em Portugal, que já conta com mais de 1500 assinaturas.

O que fazer quando se é vítima de stealthing?

Quando alguém é vítima de stealthing, para além do trauma psicológico e da necessidade de denúncia, é importante tratar da saúde física. É imprescindível que faça análises às ISTs e que tome a contraceção de emergência, quando a vítima é uma mulher fértil — no caso de não tomar algum método contracetivo hormonal ou não usar um dispositivo intrauterino (conhecido como DIU) ou Sistema Intrauterino (conhecido como DIU hormonal). Além disso, deve ser considerada a toma da PPE.

A PPE — profilaxia pós-exposição — como se pode ler no site do SNS, “é uma medida de emergência para prevenir a infeção por VIH, após uma possível exposição ao vírus”. Consiste, “na toma de medicamentos antirretrovirais durante 28 dias seguidos e deve ser iniciada nas horas seguintes à exposição de risco (entre 24 horas a 48 horas)”, tendo como objetivo evitar a infeção através da toma de medicação antirretroviral. Importa realçar que a exposição ao vírus não acontece apenas com sexo penetrativo com alguém infetado, mas também com outras formas de troca de fluídos, como por exemplo, através da partilha de brinquedos sexuais sem prévia higienização ou a partilha de seringas. Além disso, a PPE pode ser necessária para profissionais de saúde que sejam expostos ao vírus no seu trabalho. Em Portugal, a PPE está disponível nas urgências dos hospitais. Para aceder à PPE, como referido no site do SNS, “deve dirigir-se ao serviço de urgências de um hospital que integra a rede de referenciação de tratamento da infeção por VIH. Um médico vai avaliar o possível risco de infeção e a pertinência ou necessidade de prescrever a PPE.”

Realço que não é só a pessoa a quem foi violada a autonomia corporal, através do stealthing, que fica em risco de contrair ISTs, mas também a pessoa que, de forma consciente, não colocou o preservativo, ou o retirou, sem consentimento.

A importância da Literacia Corporal e Sexual

Além disso, o facto da grande maioria das pessoas que inicia a sua vida sexual não saber o que é o stealthing, e a violação de autonomia corporal que este ato comporta, mostra, mais uma vez, como é preciso haver educação sexual nas escolas. Porque muitas e muitos pré-adolescentes e adolescentes não têm como aprender noutro contexto que não o da escola. Não adianta pensar “mas à minha filha não vai acontecer, porque eu não a eduquei assim”. Acreditem, acontece. Não podemos, como sociedade, continuar a colocar o peso da responsabilidade sexual nas mulheres. É preciso educar os homens a não exercerem violência contra as mulheres, a saberem o que realmente é uma relação sexual sem ser através de pornografia nociva, e é preciso empoderar mulheres através da educação sexual. Para isso, é imprescindível que haja literacia corporal e sexual.

Merecemos viver a nossa vida sexual com prazer, com proteção, com alegria.

Não obstante, a violência sexual também acontece em contextos homossexuais, entre gays e entre lésbicas, e em contextos heterossexuais em que a violação é tomada a cabo por uma mulher. Mesmo assim, estatisticamente, os violadores, abusadores e assediadores são na larga maioria homens. Basta pensarmos no seguinte: quando as pessoas dizem às mulheres “é perigoso andares sozinha na rua, à noite”, de que perigo estão a falar?

A petição que pretende criminalizar o stealthing em Portugal

Graças à denúncia pública dentro da indústria da música, finalmente o stealthing está a ser discutido na esfera pública. Por isso, por todas as mulheres, por todas as filhas e netas deste país, por todas as pessoas que querem viver a sua vida sexual com alegria e segurança, assinem a petição para que o stealthing seja criminalizado em Portugal.

Links Úteis

Petição para que o stealthing ser criminalizado em Portugal

Artigo no jornal Expresso sobre o desencadear do processo que começou com a denúncia de violação contra um pianista de jazz: “Assédio, stalking e uma queixa de violação: dezenas de mulheres denunciam pianista e Hot Clube abre inquérito interno”

Notícia do jornal Público sobre a acusação de violação, que trouxe o assunto do stealthing à discussão na esfera pública.

O stealthing enquadrado como violação na Lei de Inglaterra e do País de Gales.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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