Opinião

São as “vibes”, estúpido!

São as “vibes”, estúpido!

João Salazar Braga

Autor e consultor de comunicação

Um cargo político não pode ocupar, mas a posição de CEO dos Estados Unidos da América está à espera de Elon Musk. Enquanto ele corta nos gastos do orçamento federal, como bom CEO que é, Donald Trump mostra-se, de novo, chairman da maior empresa do mundo

Nasceu em África, logo não pode ser Presidente. De qualquer das formas, nem quer ser Presidente, diz. O que quer é construir foguetões e carros, porque só se interessa por desenvolver tecnologia que seja útil para as pessoas. Quis que Trump fosse eleito para não se meter na política, porque, não se esqueça, só tem um interesse: construir foguetões e carros. Mais nada.

Mas Elon Musk está na política – e ninguém sabe muito bem porquê, porque é impossível descortinar aquela cabeça grotesca, que é capaz do melhor e do pior – e a partir de agora a política está em Elon Musk.

De acordo com Trump, Musk é uma estrela que nasce. Se realmente for uma estrela, é uma daquelas que se compra através de esquemas duvidosos na Internet (e que até permitem dar nomes aos astros).

Através do seu X, chegou aos calcanhares de Rupert Murdoch e de William Hearst – e, sim, superou-os, porque uma rede social com o alcance e a força como a de Musk desclassifica os datados canais de televisão e os velhos jornais em três tempos – mas talvez porque constrói e dissemina desinformação com outra pinta.

Na sua descrição de perfil do X, lê-se «The people voted for major government reform», uma mensagem que, desde o passado dia seis de novembro, tem dominado a recém-criada página America, cujo handle é, surpresa, surpresa, @america, como se o espírito de um país pudesse ser arrumado num perfil de uma rede social. A intenção é clara (confundir os distraídos), mas é pouco impactante, porque o mundo já se habituou à conduta de Musk e ao modo como comanda o X – com total discricionariedade, porque, pudera, é o seu brinquedo.

Vale a pena perder algum tempo a ler as publicações de Musk no X (minto; não vale). A maioria parece ter saído de um group chat de Discord, porque é profundamente bizarra, descabida e quase sempre infantil. Há bots no X que articulam melhor ideias do que o próprio dono, que se limita a escrever «Yes», «Yup» e «Wow», independentemente do tema. Vezes há em que comenta apenas com emojis de fogo. Dá vontade de rir, mas dá mais vontade de chorar: em 2024, um 🔥 tem mais força do que um argumento com princípio, meio e fim.

De qualquer modo, compreende-se o porquê de, um pouco por todo o mundo, os eleitores confiarem menos no discurso político tradicional – estão dececionados e fartos. É mais complicado entender o encanto de Elon Musk e dos vários suseranos de Silicon Valley, cujo poder económico lhes permite fugir ao contraditório e à responsabilidade. Falam, mas não respondem.

Tudo bem que o mundo está um caos, mas um (demagogo) interesseiro continua a ser um (demagogo) interesseiro. As pessoas querem soluções, mas acabam a confiar em agentes que, mesmo que contem com as cabeças mais analíticas e brilhantes e geniais nos seus escritórios mundiais, preferem confiar em vibes. Recordo: não há muito tempo, em junho de 2022, Musk pediu aos executivos da Tesla para suspender os processos de contratação porque estava com um super bad feeling em relação à economia. Não foi um movimento esporádico; esta é a essência do sul-africano que, vão ver, ainda vai levar o Homem a Marte a partir de pressentimentos.

E Trump, que olha para a Sala Oval e nela vê uma roleta, aposta neste estilo de parceiros – e aposta bem, porque tem a certeza de que este é um investimento que não falha. Trump investiu em quem investiu nele: trata-se de uma situação «win-win», a que se juntam outras vitórias, umas já confirmadas e outras por confirmar: a da Câmara dos Representantes e a do Senado. E todas legitimadas pelo voto popular.

O que são 130 milhões de dólares para Elon Musk? Coisa pouca. Mas para Trump 130 milhões de dólares foram, excecionalmente, uma ajuda preciosa, certamente necessária, que impulsionaram uma vitória quase demolidora e quase surpreendente.

Um cargo político não pode ocupar, mas a posição de CEO dos Estados Unidos da América está à espera de Elon Musk. Enquanto ele corta nos gastos do orçamento federal, como bom CEO que é, Donald Trump mostra-se, de novo, chairman da maior empresa do mundo. E está tudo bem, desde que os dois tomem decisões a partir de vibes, porque é disso que os EUA e o mundo “precisam” nesta fase.

Nas eleições de 2024, há quem tenha votado em Donald Trump apenas para votar em Elon Musk, mas essa é a vibe com que eu fico. E também fico com outra: o mundo está a arder. 🔥🔥🔥

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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