Opinião

Uma visão de ecossistema da longevidade para Portugal

Uma visão de ecossistema da longevidade para Portugal

Ana João Sepúlveda

Especialista em Economia da Longevidade

Portugal pode e deve-se posicionar como um ecossistema para a longevidade, fazendo da longevidade um efetivo eixo de desenvolvimento económico e social para as próximas décadas, com implicações tanto ao nível das políticas públicas como fiscais

Ao longo dos últimos 15 anos tenho vindo a observar a forma como o Mundo se tem vindo a adaptar à realidade demográfica e se no início o foco foi o envelhecimento e o facto de termos sociedades inadaptadas para o crescente número de pessoas com mais de 60 anos no total da população, hoje o foco é cada vez mais no tempo de vida e tempo de vida saudável.

Se numa fase inicial o foco foi o impacto negativo deste envelhecimento das sociedades, hoje o foco começa a ser o potencial económico da longevidade, onde se assume a longevidade como um dado adquirido. Vamos viver mais e, idealmente melhor e seremos mais saudáveis.

Sabendo que é importante perceber como envelhecemos, que é básico ter-se uma estratégia para o envelhecimento, ao nível do país e depois, até ao nível da pessoa, e que combater o idadismo e promover a intergeracionalidade, a verdade é que vivemos um momento de mudança de vocabulário, de perspectiva e com isso de foco.

Termos como “inverno demográfico”, “inferno demográfico”, Tsunami, e outros que tais, fazem cada vez menos sentido. Estamos a viver um cenário demográfico com 5 gerações no mercado de trabalho. Isto é um facto.

Facto é também o desenvolvimento de uma nova área da economia global, centrada na promoção do tempo de vida saudável das pessoas e, daí para a promoção de ambientes (lato senso) que promovam a longevidade, o que também é um facto.

Quando este ano em Davos se falou na ciência da longevidade e se promoveu a aproximação de um grupo de empresas e investidores na longevidade à comunidade do Fórum Económico Mundial, ficou oficializado o interesse em fazer crescer a longevidade como área da economia.

Embora tenha sido publicado um documento que fala sobre a economia da longevidade, a verdade é que não é de “economia da longevidade” que se está a falar. Está-se sim a falar de outra coisa, bem mais ampla, complexa e quanto a mim, muito mais interessante. Está-se a falar da longevidade como driver da economia.

O problema é que até agora o melhor termo para rotular este novo fenómeno económico (social, político, etc.) era “economia da longevidade”, que tem restrições do ponto de vista da sua definição.

A visão da economia a ser guiada pela longevidade é intergeracional, começa muito antes da pessoa nascer e antes mesmo de esta ser um pequenino embrião no ventre da sua mãe. Vai mais longe que o envelhecimento e morte desta pessoa, passa pelo ambiente onde ela viveu toda a sua vida.

A economia guiada pela longevidade pressupõe que as economias e as sociedades têm uma visão transversal e de longo prazo, com o foco de promover um espaço ideal onde todos, em todos os momentos da vida e em todas as suas etapas podem viver no seu expoente máximo de realização, felicidade e criatividade. Isto em temos ideais.

Alguns países já construíram os alicerces deste mundo maravilhoso, com a colocação da longevidade como um dos pilares de desenvolvimento económico, nesta perspectiva que acima refiro. Refiro-me à Irlanda, Reino Unido, Suíça, Israel (pré-guerra) e Singapura.

Suplantada a etapa do compromisso e investimento e vontade política, o passo seguinte foi a construção de um ecossistema que alimente esta economia, numa dupla perspectiva: de desenvolvimento do mercado interno e de desenvolvimento do mercado externo, com a exportação da economia. É o que faz hoje o Reino Unido com o trabalho liderado por Nic Palmarini e Tina Woods, por exemplo.

Isto quer dizer que, ideal e estrategicamente, se uma economia quer se posicionar neste mapa global da economia guiada pela longevidade, é preciso atuar no desenvolvimento de um ecossistema promotor do desenvolvimento de:

  1. Investigação, com uma forte aposta na medicina da longevidade, ou medicina 3.0 como refere Peter Attia;
  2. Criação de um espaço de landing de novos negócios sejam start-ups ou não;
  3. Promoção de políticas públicas e fiscais atrativas;
  4. Atração de capital privado relacionado com a longevidade – fundos de investimento por exemplo;
  5. Literacia e reforço de um mindset que promova a longevidade;
  6. Criação de um comércio (B2B e B2C) relacionado com a longevidade.

Estes 6 pilares são, para mim, os básicos, para a criação de um ecossistema para a longevidade. Terão múltiplas ramificações, seja na área do ensino, do turismo, do setor financeiro, da saúde pública e privada, para citar aqueles setores que são mais óbvios.

A existência de um ecossistema para a longevidade permite ainda que se desenvolvam outras áreas como a derivação do ESG para o LSG (Longevity Social Governance), todo o setor da Qualidade, onde iremos assistir a outro conceito de organização a que chamo “Longevity Complience Organization”.

Esta é a minha visão de mundo para o qual caminhamos, quando temos postos os óculos da longevidade. Em síntese:

  • Passamos da economia da longevidade para a longevidade como driver da longevidade;
  • Teremos a longevidade de uma forma evidente tanto nos ODS como no ESG, com algo a que chamo de LSG;
  • Em termos organizacionais, a longevidade (lato senso) passa a ser um fator de promoção da retenção de talento, de aumento de produtividade e de competitividade.

Assumindo que assim será, como está Portugal neste cenário? Em que medida faz sentido ter uma visão e vontade política que vá muito além da sustentabilidade da segurança social e da gestão dos impactos negativos do envelhecimento?

Até hoje temos estado no patamar que considero básico para um país que é o 4.º mais envelhecido do mundo. Não é uma crítica ao Governo atual, é uma chamada de atenção à classe política e um apelo a uma mudança de forma de encarar a realidade da demografia e da economia global.

Portugal já tem muito boas estruturas que, com alinhamento e estratégia, nos permitem criar o dito ecossistema para a economia guiada pela longevidade. Como por exemplo o recém-criado Instituto da Longevidade que uniu Nova MS e Nova BS ou mesmo a internacionalização da Sociedade Portuguesa de Medicina e Ciência da Longevidade, uma organização formada por médicos e cientistas com interesse na medicina da longevidade que faz parte da International Longevity Alliance.

O setor do retalho também está a despertar para o tema da longevidade, se bem que ainda não temos uma visão clara do que é a longevidade como área de consumo. O imobiliário há muito que tem o envelhecimento na agenda, sendo que falta agora dar o salto para a longevidade. Mesmo os setores sociais, do desporto, urbanismo e turismo estão a perceber que envelhecimento e longevidade não são a mesma coisa.

Portugal pode e deve-se posicionar como um ecossistema para a longevidade, fazendo da longevidade um efetivo eixo de desenvolvimento económico e social para as próximas décadas, com implicações tanto ao nível das políticas públicas como fiscais. Para isso é preciso que haja visão macro estratégica. Este é o ponto de partida.

Temos condições geopolíticas únicas, somos um país pequeno, mas importante no que toca à inovação, temos estruturas de investimento privado a surgir, dedicadas à longevidade. Temos grandes cientistas e estamos inseridos nas grandes redes globais que se focam na longevidade. Temos uma estratégia de melhoria do envelhecimento da população e poderia continuar a enumerar as potencialidades.

Em síntese, temos peças soltas que precisam de ser agrupadas e falta-nos a mudança de mentalidade, o maior envolvimento político e falo não somente do Governo, como dos partidos políticos, e a promoção de uma literacia para a nova economia, onde a longevidade é um eixo de desenvolvimento.

Ana João Sepúlveda é CEO da 40+ Lab

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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