A entrada na União Europeia é um sonho para muitos jovens moldavos. Não é apenas um sonho mas também uma oportunidade de escapar ao seu passado e finalmente, tornar-se um país mais desenvolvido e economicamente estável e atrativo para viver. Contudo, o processo de consolidação europeia, raramente segue uma trajetória linear, e para a Moldova, ainda menos. Atualmente, a sua situação geopolítica não é a melhor devido à guerra na Ucrânia, expondo o país a pressões externas, tanto da Rússia como das potências ocidentais. Neste percurso rumo à Europa, surgem monstros que personificam as forças subversivas nas fases de transição: as divisões internas, a desinformação e as interferências geopolíticas externas. Estes monstros, alimentados diariamente pela incerteza e pelo medo, tentam moldar o destino do país, que oscila entra a promessa de um futuro europeu e o risco de estagnar num passado repleto de desafios e sombras.
Uma breve viagem pelo país revela de imediato que o maior perigo é a sombra persistente do homo sovieticus. Este legado histórico, enraizado na psyche coletiva moldava, não só molda a identidade nacional, como também se torna um agente manipulador. Ao ser manipulado, o cidadão aprende e replica essas táticas, tornando-se uma ameaça interna e, simultaneamente, permanece vulnerável a influências externas que procuram desestabilizar e minar o caminho europeu.
Este impacto tornou-se evidente nos resultados do referendo, onde quase metade da população hesitou em apoiar a integração na UE. Nas eleições presidenciais, Maia Sandu, a atual presidente e a líder mais exímia que o país já teve, obteve 42,45% dos votos, refletindo as divisões internas e a discrepância entre o centro urbano vis-à-vis o rural.
A salvação do referendo ficou nas mãos da diáspora, que fez um enorme esforço para votar. Todavia, mesmo a diáspora mostrou-se frustrada com o ritmo lento das reformas internas e a morosidade do processo de transformação, votando também contra. A divisão interna foi ainda agravada pela interferência russa, que, através de subornos financeiros, campanhas de desinformação massiva nas redes sociais e ciberataques, manipulou as populações locais.
Apesar dos votos negativos, muitos moldavos não são necessariamente contra a adesão à Europa, e o seu voto reflete mais a insatisfação com as dificuldades económicas, tanto internas quanto na diáspora, do que uma rejeição da integração. Aliás, devido a guerra russo-ucraniana, e a precariadade do país, com pensões exíguas e uma economia debilitada, muitas pessoas mais velhas tiveram dificuldade em tomar uma decisão clara no referendo. Internamente, também muitos dos que votaram "não", fizeram-no como um protesto político, estando desiludidos com a gestão da equipa de Sandu no governo.
Neste aspeto, o dia 3 de novembro é decisivo para a Maia Sandu. Apesar de acreditar que irá vencer o seu principal oponente, Alexandr Stoianoglu, o novo mandato não será fácil. A forma como o referendo foi organizado e comunicado reflete as falhas e as lutas internas dentro do seu partido. Se continuar com a mesma equipa, será prejudicada nas eleições parlamentares do próximo ano e por isso, seria pertinente ponderar em integrar outros partidos com visão europeia no seu novo governo, mesmo que não concorde com algumas das suas posições. A sua equipa política falhou e demonstrou uma falta de compromisso e respeito para com uma população que tem sido constantemente sufocada pela ausência de condições económicas e sociais. Por outro lado, a interferência russa merece destaque, mas não é o único mal que aflige o país. As elites que estão no poder desde o fim da União Soviética, e que se revitalizaram através dos seus descendentes, continuam a governar sob a égide de uma democracia frágil.
A perpetuação destas elites no poder, muitas ligadas à oligarquia, tem mantido um sistema enraizado de exploração. Em vez de protegerem os interesses nacionais, elas alimentam-se, como monstros insaciáveis, do tecido económico e social do país, corroendo as estruturas públicas e privadas. Os recursos e os fundos europeus são desviados em vez de beneficiar a população, mantendo o país preso a um ciclo de pobreza e dependência. Este modelo de governação predatório e corrupto impede o desenvolvimento e a emergência de novas lideranças, essenciais para construir uma sociedade mais justa e próspera.
Para além da exploração interna, as elites políticas moldavas têm manipulado as alianças externas para assegurar a sua sobrevivência no poder. Algumas defendem a integração na União Europeia, enquanto outras preferem arrefecer as relações com a Rússia e vice-versa, criando uma política ambígua que prejudica o alinhamento estratégico do país. Ao jogarem de forma oportunista com estes actores, as elites mantêm uma lógica de autossatisfação que, desde a independência nos anos 90, impede as reformas estruturais necessárias para um crescimento sustentável.
Neste contexto, não podemos atribuir os resultados apenas à ingerência externa. Embora a interferência russa seja um fator real e perigoso, ela foi facilitada pela vulnerabilidade estrutural do país, agravada pelas dificuldades socioeconómicas. Olhar para os resultados da Transnístria é revelador: apesar de estar exposta à propaganda russa e ter acesso limitado a fontes de informação fidedignas, a região mostra-se mais pró-europeia do que várias áreas controladas pelas autoridades de Chisinau. Este facto paradoxal requer uma reflexão mais crítica.
Para integrar na União Europeia, a presidente Maia Sandu tem de aprovar reformas que renovem as elites políticas e transformem a lógica de governação, promovendo uma mudança profunda de mentalidade numa sociedade polarizada. Sem isso, os monstros vão ganhar mais força, ameaçando devorar qualquer esperança de um futuro mais próspero.