Opinião

Depois das eleições: como os autoritários se aproximam de Bruxelas

Péter Krekó, Richárd Demény e Csaba Molnár

A nível europeu, o centro enfrenta ameaças de forças extremistas em ambos os polos do espetro político e será pressionado a entender-se com estes grupos em áreas-chave, como as políticas de migração, e a inclinar-se para os seus posicionamentos a fim de evitar a perda de popularidade

Este ano, em grande parte da UE, os partidos radicais, de extrema-direita e antissistema têm vindo a ganhar um espaço significativo. A recente vitória do Partido da Liberdade (FPÖ) nas eleições legislativas austríacas, os avanços regionais da Alternativa para a Alemanha (AfD) e a forte presença dos partidos nacionalistas nas eleições parlamentares europeias de junho são reveladores de uma onda crescente de populismo em todo o bloco. Em muitos casos, estes partidos romperam com o cordão sanitário e estão agora a moldar a política, apesar de ocuparem posições minoritárias nas respetivas legislaturas.

A nível europeu, apesar de se falar de uma “vaga” de apoio à extrema-direita e de se prever que venham a controlar o próximo Parlamento Europeu, o centro mantém o seu domínio. A diferença agora é que enfrenta ameaças de forças extremistas em ambos os polos do espetro político e será pressionado a entender-se com estes grupos em áreas-chave, como as políticas de migração, e a inclinar-se para os seus posicionamentos a fim de evitar a perda de popularidade.

À direita, há agora três grupos de votos em disputa – os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), os Patriotas pela Europa e a Europa das Nações Soberanas (ESN) – que representam 25% da sua legislatura. Este valor é superior aos 17% registados há cinco anos. No outro extremo, o grupo A Esquerda no Parlamento Europeu (GUE/NGL) e outros partidos de esquerda, embora não alinhados, também registaram um aumento de apoio e são encorajados pelos recentes desempenhos da Aliança Sahra Wagenknecht – Razão e Justiça (BSW) na Alemanha e da Nova Frente Popular em França. Embora estes grupos tenham opiniões divergentes em muitos domínios, estão unidos na sua desconfiança em relação às instituições da UE e na sua vontade de assumir posições pró-autoritárias. Além disso, partilham a determinação de reforçar as identidades nacionais dos seus países e parecem satisfeitos por se libertarem de importantes aliados geopolíticos.

Nestas circunstâncias, poderá ser difícil encontrar clareza e coerência em questões prementes que terão de ser tratadas com cuidado, como o apoio à Ucrânia e a proteção contra a influência chinesa.

Uma investigação recente levada a cabo pelo Political Capital Institute sugere que, entre os grupos extremistas, o ECR continuará, provavelmente, a ser o mais crítico da Rússia e da China, uma vez que dois dos seus principais membros, os Irmãos de Itália da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni e o Partido Lei e Justiça (PiS) de Jarosław Kaczyński, na Polónia, têm sido consistentes no apoio a quase todas as resoluções que condenam o Kremlin e Pequim.

O grupo de extrema-direita ESN, liderado pela AfD, é mais autoritário e firmemente pró-China. Os Patriotas, liderados por Jordan Bardella, do partido francês União Nacional, estão atualmente divididos, em grande parte devido à presença de Viktor Orbán, que tem procurado aprofundar os laços entre o seu Governo e Pequim através de uma “parceria estratégica inabalável” . No polo oposto do espetro, o grupo radical “A Esquerda”, que inclui a França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon, não deverá ser recetivo às propostas da Comissão em nenhum dos flancos e tentará, quase de certeza, atenuar a posição dura da legislatura em relação à China, dado o apoio historicamente pouco crítico dos seus membros a Pequim.

Relativamente à guerra da Rússia na Ucrânia, a nova legislatura já deu uma ideia da sua posição de voto em relação ao conflito. Na sua primeira sessão plenária, os deputados aprovaram, por esmagadora maioria, uma resolução que reafirma a necessidade de a UE continuar a apoiar a Ucrânia.

Uma análise aos resultados das votações mostra que o grupo ECR manteve a sua posição muito crítica em relação à Rússia e continuou a ser o mais crítico em relação à Rússia entre os grupos radicais, de extrema-direita e de extrema-esquerda. A surpresa mais assinalável verificou-se quando a grande maioria do grupo Patriotas, incluindo os partidos União Nacional e o Fidesz – que têm sido brandos em relação à Rússia, já há algum tempo, como evidenciado pela sua abordagem às sanções da UE e aos pacotes de ajuda a Kiev – votou contra ou absteve-se, com alguns dos seus outros membros (a Liga italiana e o ANO checo) passaram da sua anterior posição crítica em relação ao Kremlin para um alinhamento mais amplo com o resto do grupo. Isto sugere uma convergência entre os Patriotas no sentido de uma posição pró-russa mais unificada. No grupo A Esquerda, entretanto, reina a divisão. Apesar de o partido mais influente deste grupo, o França Insubmissa, ter apoiado a resolução, outros não seguiram o exemplo. Por exemplo, o Movimento 5 Estrelas (M5S) de Itália votou contra, apesar de ter apoiado resoluções críticas em relação à Rússia na anterior legislatura.

As conclusões do nosso estudo, e o potencial de mudança que alguns partidos já demonstraram, sugerem que, apesar das fraturas no interior de determinados grupos, poderá haver mais espaço para a cooperação em todo o espetro político do que se pensava anteriormente. É nisto que Ursula von der Leyen e os seus colegas se devem concentrar. Por exemplo, é provável que encontrem apoio para o desenvolvimento de uma frente unida contra a assertividade de Pequim entre o ECR e certas fações do grupo dos Patriotas, e talvez consigam obter votos da esquerda em questões relacionadas com a guerra na Ucrânia. Em ambos os casos, contudo, as ambições destes partidos e a sua profunda desconfiança em relação ao aparelho de Bruxelas torná-los-ão companheiros perigosos.

Parece evidente que os partidos tradicionais ainda não descobriram uma panaceia para contrariar a ascensão de políticas extremas à direita e à esquerda e que os sentimentos pró-Rússia e pró-China vão continuar a disseminar-se. O êxito de Von der Leyen e da sua Comissão residirá no facto de conseguirem navegar na delicada rede de votos que existe atualmente no Parlamento Europeu, sem aproximar Pequim e Moscovo de Bruxelas. Caso consigam estar à altura deste desafio e caso se apresentem como líderes capazes de abordar questões importantes para os eleitores, poderão perfeitamente proporcionar um modelo para os Estados-membros conterem e fazerem recuar o crescimento da política radical nos próximos cinco anos.


Tradução de Nelson Filipe

Péter Krekó, Richárd Demény e Csaba Molnár são membros do think tank Political Capital, sediado em Budapeste. São os autores de um novo estudo intitulado “Growing influence of Russia and China in the new European Parliament?” [Há uma influência crescente da Rússia e da China no novo Parlamento Europeu?]

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