Este ano, em grande parte da UE, os partidos radicais, de extrema-direita e antissistema têm vindo a ganhar um espaço significativo. A recente vitória do Partido da Liberdade (FPÖ) nas eleições legislativas austríacas, os avanços regionais da Alternativa para a Alemanha (AfD) e a forte presença dos partidos nacionalistas nas eleições parlamentares europeias de junho são reveladores de uma onda crescente de populismo em todo o bloco. Em muitos casos, estes partidos romperam com o cordão sanitário e estão agora a moldar a política, apesar de ocuparem posições minoritárias nas respetivas legislaturas.
A nível europeu, apesar de se falar de uma “vaga” de apoio à extrema-direita e de se prever que venham a controlar o próximo Parlamento Europeu, o centro mantém o seu domínio. A diferença agora é que enfrenta ameaças de forças extremistas em ambos os polos do espetro político e será pressionado a entender-se com estes grupos em áreas-chave, como as políticas de migração, e a inclinar-se para os seus posicionamentos a fim de evitar a perda de popularidade.
À direita, há agora três grupos de votos em disputa – os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), os Patriotas pela Europa e a Europa das Nações Soberanas (ESN) – que representam 25% da sua legislatura. Este valor é superior aos 17% registados há cinco anos. No outro extremo, o grupo A Esquerda no Parlamento Europeu (GUE/NGL) e outros partidos de esquerda, embora não alinhados, também registaram um aumento de apoio e são encorajados pelos recentes desempenhos da Aliança Sahra Wagenknecht – Razão e Justiça (BSW) na Alemanha e da Nova Frente Popular em França. Embora estes grupos tenham opiniões divergentes em muitos domínios, estão unidos na sua desconfiança em relação às instituições da UE e na sua vontade de assumir posições pró-autoritárias. Além disso, partilham a determinação de reforçar as identidades nacionais dos seus países e parecem satisfeitos por se libertarem de importantes aliados geopolíticos.
Nestas circunstâncias, poderá ser difícil encontrar clareza e coerência em questões prementes que terão de ser tratadas com cuidado, como o apoio à Ucrânia e a proteção contra a influência chinesa.
Uma investigação recente levada a cabo pelo Political Capital Institute sugere que, entre os grupos extremistas, o ECR continuará, provavelmente, a ser o mais crítico da Rússia e da China, uma vez que dois dos seus principais membros, os Irmãos de Itália da primeira-ministra italiana Giorgia Meloni e o Partido Lei e Justiça (PiS) de Jarosław Kaczyński, na Polónia, têm sido consistentes no apoio a quase todas as resoluções que condenam o Kremlin e Pequim.
O grupo de extrema-direita ESN, liderado pela AfD, é mais autoritário e firmemente pró-China. Os Patriotas, liderados por Jordan Bardella, do partido francês União Nacional, estão atualmente divididos, em grande parte devido à presença de Viktor Orbán, que tem procurado aprofundar os laços entre o seu Governo e Pequim através de uma “parceria estratégica inabalável” . No polo oposto do espetro, o grupo radical “A Esquerda”, que inclui a França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon, não deverá ser recetivo às propostas da Comissão em nenhum dos flancos e tentará, quase de certeza, atenuar a posição dura da legislatura em relação à China, dado o apoio historicamente pouco crítico dos seus membros a Pequim.
Relativamente à guerra da Rússia na Ucrânia, a nova legislatura já deu uma ideia da sua posição de voto em relação ao conflito. Na sua primeira sessão plenária, os deputados aprovaram, por esmagadora maioria, uma resolução que reafirma a necessidade de a UE continuar a apoiar a Ucrânia.
Uma análise aos resultados das votações mostra que o grupo ECR manteve a sua posição muito crítica em relação à Rússia e continuou a ser o mais crítico em relação à Rússia entre os grupos radicais, de extrema-direita e de extrema-esquerda. A surpresa mais assinalável verificou-se quando a grande maioria do grupo Patriotas, incluindo os partidos União Nacional e o Fidesz – que têm sido brandos em relação à Rússia, já há algum tempo, como evidenciado pela sua abordagem às sanções da UE e aos pacotes de ajuda a Kiev – votou contra ou absteve-se, com alguns dos seus outros membros (a Liga italiana e o ANO checo) passaram da sua anterior posição crítica em relação ao Kremlin para um alinhamento mais amplo com o resto do grupo. Isto sugere uma convergência entre os Patriotas no sentido de uma posição pró-russa mais unificada. No grupo A Esquerda, entretanto, reina a divisão. Apesar de o partido mais influente deste grupo, o França Insubmissa, ter apoiado a resolução, outros não seguiram o exemplo. Por exemplo, o Movimento 5 Estrelas (M5S) de Itália votou contra, apesar de ter apoiado resoluções críticas em relação à Rússia na anterior legislatura.
As conclusões do nosso estudo, e o potencial de mudança que alguns partidos já demonstraram, sugerem que, apesar das fraturas no interior de determinados grupos, poderá haver mais espaço para a cooperação em todo o espetro político do que se pensava anteriormente. É nisto que Ursula von der Leyen e os seus colegas se devem concentrar. Por exemplo, é provável que encontrem apoio para o desenvolvimento de uma frente unida contra a assertividade de Pequim entre o ECR e certas fações do grupo dos Patriotas, e talvez consigam obter votos da esquerda em questões relacionadas com a guerra na Ucrânia. Em ambos os casos, contudo, as ambições destes partidos e a sua profunda desconfiança em relação ao aparelho de Bruxelas torná-los-ão companheiros perigosos.
Parece evidente que os partidos tradicionais ainda não descobriram uma panaceia para contrariar a ascensão de políticas extremas à direita e à esquerda e que os sentimentos pró-Rússia e pró-China vão continuar a disseminar-se. O êxito de Von der Leyen e da sua Comissão residirá no facto de conseguirem navegar na delicada rede de votos que existe atualmente no Parlamento Europeu, sem aproximar Pequim e Moscovo de Bruxelas. Caso consigam estar à altura deste desafio e caso se apresentem como líderes capazes de abordar questões importantes para os eleitores, poderão perfeitamente proporcionar um modelo para os Estados-membros conterem e fazerem recuar o crescimento da política radical nos próximos cinco anos.
Tradução de Nelson Filipe