Opinião

Não há muitos imigrantes na Europa, mas poucos dos irregulares se vão embora

Não há muitos imigrantes na Europa, mas poucos dos irregulares se vão embora

Henrique Burnay

Consultor em Assuntos Europeus

Os números da imigração e asilo desmentem a tese da grande invasão. Mas é verdade que quem entra, irregular ou ilegalmente, dificilmente sai. Esse é um problema que precisa de ser discutido. Para calar os verdadeiros extremistas

O tema da imigração na Europa é uma discussão sobre uma realidade que não existe – hordas de migrantes que supostamente nos invadem - e leis que não se aplicam – as que impedem a entrada e as que determinam o regresso a casa de quem entrou sem poder entrar. E consequências políticas de uma e de outra coisa.

Segundo os dados oficiais e confrontáveis, apenas seis por cento (cerca de 27.3 milhões) dos quase 500 milhões de residentes na Europa é que não são cidadãos europeus. Se contarmos todos os que nasceram fora da Europa, o número cresce para uns estratosféricos... nove por cento. Menos de 42,5 milhões. E a maioria vem da Suíça, Austrália, Islândia, Israel e Noruega. Só muito depois, abaixo dos quatro por cento, chegam os turcos. E depois, então, os restantes em que se pensa quando se pensa em imigração.

Se falarmos especificamente sobre refugiados, são 1,6 % dos residentes na União Europeia. Cerca de 7 milhões. Convenhamos que está longe de ser uma força invasora. E se os números forem sobre quem entrou irregularmente, embora os que o fazem sejam cada vez mais, ainda assim não estamos a falar nem de 330 mil pessoas que entraram ilegalmente, num ano. Contra cerca de três milhões e meio que entraram legalmente, por exemplo, no ano de 2022. De novo, está longe de ser uma invasão. O problema real é outro. São as leis que não se aplicam. Quem não poderia entrar, entrando já não sai.

O mesmo site da Comissão Europeia reconhece que, em 2023, houve cerca de 430 mil pessoas a quem foi dada ordem de saída da UE, por cá estarem ilegalmente. Acontece que desses todos, nem 84 mil se foram embora. Menos de 20%. E isso são problemas. Por um lado, a não aplicação das regras. E, por outro, tornar possível o discurso do “entra quem quiser”. Não entra. Aliás, há muitos que morrem a tentar. Mas, entrando, a maioria fica. O que é um prémio a quem tenta e um incentivo para que muitos corram o risco.

O verdadeiro problema político da imigração não é, portanto, o número de imigrantes ou refugiados a viver na União Europeia, para quem queira saber os números. O verdadeiro problema é que há, de facto, regras que não se aplicam. E isso permite um discurso que precisa de ser contrariado. O que implica, presume-se, descobrir formas de fazer cumprir as regras. Foi isso que alguns chefes de governo da União Europeia discutiram a semana passada, entre si e com a presidente da Comissão Europeia. Como a iniciativa da reunião foi de Giorgia Meloni, alguns jornais e newsletters da bolha europeia consideraram, imediatamente, que havia um acordo entre a chefe do governo de Roma e o Partido Popular Europeu para uma deriva extremista. Um exagero de sinal contrário ao dos que culpam a imigração de tudo.

É verdade que a reunião aconteceu por iniciativa de Meloni, e que participaram alguns dos (cada vez mais) suspeitos do costume, como a Hungria, a Áustria, os Países Baixos, a República Checa e a Eslováquia. Mas considerar a presença da Polónia, da Grécia ou de Chipre como uma prova de extremismo é um manifesto exagero. Incluir nesses extremistas os governos sociais democratas ou socialistas da Dinamarca e de Malta é mais do que exagerado. Não é honesto e, sobretudo, é querer fazer de conta que o problema é um – uma viragem radical em curso – quando o verdadeiro problema é outro: em todos estes países cresce a convicção de que os eleitores consideram a imigração um problema e consequentemente tendem a votar em partidos extremistas. Tanto por razões verdadeiras como não, mas isso não altera o facto de ser um problema. Aliás, vários. Porque, ao mesmo tempo, os imigrantes fazem falta, como explicou quase poeticamente o primeiro ministro grego, Kyriakos Mitstotakis, ao Financial Times, perguntando: se não forem os imigrantes, “quem colherá as nossas azeitonas?”

O resultado desta iniciativa de Itália é que no fim do Conselho Europeu da semana passada se incluiu uma referência à necessidade de legislação que trate do retorno de imigrantes irregulares. Embora ninguém saiba como fazê-lo.

Até Órban reconhece que nenhum governo vai reunir os imigrantes irregulares e enviá-los para casa, seja lá onde isso for. Confundir quem defende que as regras se devem aplicar, mesmo reconhecendo que isso é complicado – porque não basta mandar embora alguém, é preciso saber para onde, e que o país para onde se envia aceite o retorno – com quem se aproveita politicamente beneficia os oportunistas.

Nesta discussão sobre como impedir a entrada, lidar com quem entra irregularmente e manter a decência na forma como se trata quem procura uma vida melhor, continua a ser essencial distinguir quem identifica o problema de quem utiliza o tema para diabolizar pessoas e promover o ódio como ferramenta política.

Acham mesmo que eles acham que alguém vem do fim do mundo para aqui, correndo risco de vida, para passar o dia numa bicicleta a entregar pizzas, saladas e coxas de frango a quem aprecia o conforto de não se mexer, porque quer rebentar com isto tudo? Claro que não. Nem os extremistas acreditam nisso. Mas dizê-lo rende votos. Chamar extremistas a todos por igual, também. É esse o nosso problema.

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