Escadinhas das Olarias, o AL na favela
Para a Câmara Municipal de Lisboa, como para quase todas as câmaras deste país, está tudo bem desde que haja turismo
Médica
Para a Câmara Municipal de Lisboa, como para quase todas as câmaras deste país, está tudo bem desde que haja turismo
Esta rua em Lisboa fica a um minuto a pé da junta de freguesia de Arroios, fica a menos de um minuto do largo do intendente. Tem um prédio a ruir para a rua, instável, a aguardar obras, tem esgoto a céu aberto, estável, a aguardar obras. Tem pessoas a vender e a consumir crack 24 horas por dia, todos os dias do ano, em crescendo. Também não tem luz há anos, a CML sabe de tudo, a junta sabe de tudo e nada acontece. As reclamações na app naminharua caem em saco roto e aparecem como “resolvidas”. Não é seguro andar nesta rua, nenhuma criança pode entrar e sair sozinha porque é perigoso. São grupos de quatro, às vezes 15 pessoas a consumir, mesmo às 7h ou às 2h, permanentemente, nos degraus e entradas das nossas casas. Quando havia vizinhos havia alguma proteção, mas isso já acabou, agora parece que vivo em prisão domiciliária. Ninguém nos quer visitar, as crianças não nos querem visitar.
As discussões, agressões e gritos são contínuos, atiram-se pedras da calçada e garrafas de cerveja. Aliás, o único minimercado perto vende cerveja até madrugada de modo que a rua é um bar não licenciado com música dos telemóveis aos berros. O lixo de garrafas partidas, o uso da rua como casa de banho e os escarros contínuos de quem consome crack são quase iguais há três anos, mas vão piorando. A montanha de lixo que se acumula. Os assaltos, um deles filmado – quando percebo que a polícia não vem, decido eu interpelar o jovem para que largue o pé de cabra e este acaba por fugir. As idas à esquadra para ouvir que, uma vez que só dispõem de um computador, não podem registar a minha queixa. Quando penso que não se pode agravar, agrava-se. Assassinaram uma mulher o mês passado. Mas as esplanadas estão cheias, nalgumas ruas da Graça até é difícil passar, todas com cadeiras diferentes (feias), cordões diferentes (horríveis), menus very typical (péssimos). Lisboa está horrorosa e, nalguns sítios muito perigosa.
Para a Câmara Municipal de Lisboa, como para quase todas as câmaras deste país, está tudo bem desde que haja turismo. O país a retalho, a costa desprotegida do sudoeste alentejano e costa vicentina, os bairros de Lisboa, tanto faz, desde que haja turismo. E há: na minha rua, apesar de tudo isto, o Alojamento Local (AL) está cheio, sempre cheio. Na verdade, já quase não mora cá ninguém, por isso é tão fácil fazer disto o bar não licenciado, a sala de chuto não assistido, a favela de esgoto a céu aberto, alegremente a conviver com o AL. Para quem acha que o turismo se regula, desiluda-se, não regula: enquanto houver cerveja barata, sol e um comboio para a praia vai continuar cheio. Aliás a única medida para este bairro é criar um hotel social, não uma residência de estudantes, não casas com renda controlada, apenas um albergue para pessoas sem abrigo. Talvez porque achem que a política de terra queimada se adequa a este bairro. O albergue para pessoas sem abrigo ao lado da venda de crack e prostituição. Assim como podem organizar tuk tuks à favela, para ver os abandonados da cidade.
Quando todo o país estiver como a minha rua e o turismo continuar a vomitar talvez seja tarde demais, mas, no entanto, como diz Fernando Medina “não existem turistas a mais, esse conceito não existe”. O secretário de estado do Turismo, Nuno Fazenda, dizia que 2023 foi o melhor ano turístico, descrevendo como “melhor ano de sempre”. Gerem Lisboa como uma mercearia.
Nas Canárias fazem-se greves de fome contra este tipo de turismo, em Cracóvia processam a autarquia pelo turismo descontrolado. Mas em Barcelona, que tem menos turistas por habitante do que Lisboa, protegem quem vive na cidade, limita-se o AL e tiram-se os cruzeiros. Em Lisboa? Em Portugal? Zero. As poucas medidas tímidas para limitar o AL estão a ser retiradas. Quem ficará na cidade? Ficará quem nasceu pobre e não tem outros sonhos que não seja fazer camas, conduzir o tuk tuk e servir à mesa.
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