No cânone, uma mulher livre só pode fazer coisas más; para fazer coisas boas, a mulher tem de estar presa pela trela
O nível de misoginia na literatura e na arte em geral é absurdamente incrível e invisível. É tão forte, é tão orgânico que se torna o próprio ar que se respira. Nos romances e nas mitologias, os autores homens só reservaram dois papéis para a mulher: ou é santa ou é rameira; a imensa paleta moral da Humanidade, que vai da santidade à crueldade, parece que só existe para os homens. As personagens femininas do Eça, por exemplo, têm a superficialidade da Eva lânguida. Não há uma mulher com agência e complexidade na obra do Eça. E claro que Eça não está sozinho; os autores homens que deram às suas personagens femininas uma profundidade literária digna desse nome são uma minoria (alguns exemplos, Dafoe, Stendhal, Gil Vicente, Sófocles).
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