Opinião

A valsa dos “veeps”

A valsa dos “veeps”

Miguel da Câmara Machado

Docente de Direito comparado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

No quase certo último debate destas eleições americanas, os candidatos a vice-presidente foram moderados e equilibrados. Repetiram intervenções na linha de “Antes de mais, o Tim acabou de dizer algo com que concordo” ou “Acredito que o Senador Vance quer resolver isto”, lembraram velhos candidatos que procuraram consensos e surpreenderam quem esperava a “Battle of the Middlwestern dads” na conquista dos swing states determinantes daqui a um mês

Na noite de 1 de outubro de 2024, dia em que o antigo Presidente dos Estados Unidos da América (EUA), Jimmy Carter, fez 100 anos, assistimos a um debate surpreendente entre os dois candidatos a vice-presidente (ou “veeps”) nas eleições deste ano. Surpreendente pela positiva e por lembrarem esses dois presidentes de “um mandato” do século XX: Carter, o democrata derrotado em 1980 e George H. Bush, o republicano derrotado em 1992, dois cavalheiros preocupados em “elevar o debate”, proteger o opositor e conseguir consensos. Dois homens que lutaram por aquilo a que nos EUA chamam “reach across the aisle” (lembrando o corredor a ser transposto que, no Senado e na Câmara dos Representantes, separa os dois partidos).

Ao longo da noite, ouvimos repetidamente afirmações de empatia, de concordância e de procura de pontos comuns entre os candidatos. O republicano J.D. Vance começou as suas intervenções, mais do que uma vez, dizendo "First of all, Tim just said something that I agree with" ("Antes de mais, o Tim acabou de dizer algo com que concordo"), elogiou medidas do Governador do Minnesota e, assim, desfez o mito de que era um extremista e, para a generalidade dos comentadores, ganhou o debate, fazendo uma boa defesa do final do mandato anterior.

No entanto, aquilo que foi mais fascinante neste debate foi o facto de parecer que, de facto, os candidatos se estavam a ouvir um ao outro. Vance disse que não conhecia parte da história do passado de Walz e elogiou-o e Walz, que começou o debate muito mais nervoso, acabou a afirmar que havia pontos comuns e que ambos queriam um futuro melhor para a América.

Muitos desejavam que fossem estes os candidatos no topo dos “tickets”, em vez dos potenciais próximos presidentes, extremados e incentivadores de discursos ferozes nas suas bases. Na mesma noite, o Irão bombardeava Israel e o mundo parecia ainda mais inseguro e incerto.

Quem analisa debates presidenciais e vice-presidenciais admite que pouco influenciem os resultados eleitorais. Normalmente são vistos por aqueles que já estão mais atentos à vida política e já estão convencidos sobre o seu sentido de voto e não pelos indecisos. No entanto, neste debate, o jovem candidato republicano teve uma oportunidade de luxo de se reapresentar a republicanos e democratas como moderado, como alguém muito articulado, como alguém que consegue encontrar as fragilidades e pontos fortes nos argumentos do adversário.

Houve, para quem assistiu, qualquer coisa de dança, de equilíbrio entre políticos que não são os “dragões que cospem fogo” e que querem “marcar pontos” com cada resposta ou “sound bite”, mais ou menos preparados. Se Carter quis deixar uma Casa Branca organizada a Reagan e Bush escreveu uma linda carta de passagem de testemunho a Clinton (vale a pena lê-la), depois de perderem as eleições com cada um deles, este debate foi uma bonita maneira de demonstrar que parece ainda haver políticos assim e dar os parabéns ao Presidente Carter de forma elegante.

O debate que foi antecipado como “The battle of the Middlwestern dads”, foi, contra todas as expetativas, amigável e respeitável, com os adversários a alternar o tratamento por Senador e Governador e os nomes próprios. Walz, já mais calmo (terá perdido o debate essencialmente pela postura nervosa e defensiva que teve desde o início) também foi concordando "I believe Senator Vance wants to solve this" (“Acredito que o Senador Vance quer resolver isto”).

Desde o verão que Vance tinha entrado em “modo de ataque” e isso acabou por funcionar contra si, fazendo com que tenha a menor popularidade de um candidato a “veep” de sempre. Provavelmente este debate servirá essencialmente para reverter essa imagem e poderá relançá-lo, perdendo ou vencendo as eleições de novembro, na política dos EUA. Não foi um “weirdo” (o que Walz já lhe tinha chamado repetidamente), foi alguém com quem parece poder-se trabalhar e foi um Trump melhor do que Trump, disciplinado e focado na mensagem, a defender os bons resultados que a Administração Trump teve entre 2016 e 2020 e a atacar, com elegância, a Administração Biden, no dia em que os preços do petróleo dispararam, em que a guerra no médio-oriente se intensificou e a sensação de descontrolo na América aumentou.

Contra tudo o que tantos escreveram nas últimas semanas, Vance pode ter sido a carta certa, escolhida ainda antes de Harris substituir Biden, e a valsa com Walz pode ter cimentado o caminho que parecia certo depois do primeiro debate que tudo baralhou nesta campanha. São poucos os “swing states” (estados indecisos ou “estados dançarinos”, como lhes gostaria de chamar aqui). Vamos ver quais deles se inclinam mais para um lado ou para outro na valsa final. Falta um mês.

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