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Opinião

O tempo dos funerais

Sabemos que a morte é uma evidência tão óbvia como o pôr do sol, mas, sempre que ela aparece, sentimo-la como uma surpresa escandalosa

Houve um tempo em que eu saltava de casamento em casamento como o Cupido salta de nuvem em nuvem; as bodas eram como as uvas, apareciam aos cachos. Foi uma época de alegria e namoro, pois não há melhor tinder do que uma boda abençoada. Agora estou num tempo de funerais. Salto de velório em velório como a praga de gafanhotos salta de prado em prado. Está claro que os confinamentos aceleraram a fita do tempo de quem já estava perto do precipício. Saltar de funeral em funeral é como andar num tempo à parte, um tempo a-histórico de um espaço diferente, um local subterrâneo, bafiento e místico ao mesmo tempo; um espaço onde o tempo não é medido pelo relógio e calendário, mas sim pelos rituais da morte. Eu preciso da sucessão desses rituais: ir até ao local; estar no velório, dormir na casa de alguém próximo, de preferência o velho sótão da minha madrinha, em si mesmo um portal no tempo; atravessar o funeral, amparar os mais velhos, atirar terra para o caixão; o som dos torrões a bater na madeira fecha o ciclo, encerra este tempo a-histórico e abre o regresso ao tempo normal.

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