Opinião

Portugal a duas velocidades: o litoral avança, o interior estagna

Portugal a duas velocidades: o litoral avança, o interior estagna

Hugo Condesa

Economista e Gestor

Faz realmente sentido abdicar de mais de metade do país? Somos assim tão egoístas ao ponto de condenar cidades e vilas inteiras a uma má política de urbanismo e desenvolvimento? Somos assim tão centralistas e alheados da realidade ao ponto de achar que o crescimento das grandes cidades levará também a um desenvolvimento do Interior?

Portugal enfrenta, há várias décadas, um acentuado contraste entre o desenvolvimento do litoral e do interior. Os grandes centros urbanos, como Porto e Lisboa, continuam a ser os motores económicos do país, beneficiando de um crescimento robusto e diversificado.

Nessas regiões, as infraestruturas são de qualidade, as soluções de mobilidade acessíveis, as taxas de desemprego mais baixas e os salários mais elevados, contribuindo para uma competitividade económica e um grau crescente de internacionalização empresarial que se aproxima dos padrões europeus.

Pelo contrário, o interior do país enfrenta desafios persistentes, como o despovoamento, o envelhecimento demográfico e um ritmo de crescimento económico mais lento. Estas regiões lutam, com armas desiguais, para atrair e reter empresas e mesmo serviços públicos.

Cabe então questionar: Faz realmente sentido abdicar de mais de metade do país? Somos assim tão egoístas ao ponto de condenar cidades e vilas inteiras a uma má política de urbanismo e desenvolvimento? Somos assim tão centralistas e alheados da realidade ao ponto de achar que o crescimento das grandes cidades levará também a um desenvolvimento do Interior?

Olhando para algumas das soluções implementadas pelos sucessivos governos para combater este problema, como o investimento público em infraestruturas, principalmente rodoviárias, que levaram a que Portugal se destacasse na Europa pela elevada densidade de autoestradas, ou a criação de universidades e politécnicos nestas regiões. Embora se possa admitir que estas tenham contribuído para o dinamismo dos mercados locais, demonstraram-se claramente insuficientes para manter uma força de trabalho qualificada no interior e para combater o aumento das desigualdades entre as grandes áreas metropolitanas do litoral e o resto do país.

Neste contexto, e considerando a proximidade do início das discussões do Orçamento de Estado para 2025, é crucial refletir sobre soluções capazes de inverter esta crónica de um Interior abandonado e sem esperança no futuro.

Deixo então alguns desafios para esta discussão orçamental, com potencial para contribuir decisivamente para acelerar a coesão económica, social e territorial em Portugal:

  1. Criação de um instrumento de créditos fiscais para o investimento na indústria transformadora, florestal e na modernização da atividade agrícola: Este mecanismo poderia seguir o modelo utilizado pelo SIFIDE (Sistema de Incentivos Fiscais em Investigação e Desenvolvimento Empresarial), que tem sido eficaz em canalizar recursos para a inovação. Nos últimos cinco anos, este incentivo gerou cerca de 10 mil milhões de euros em investimento em I&D, mostrando que tanto as empresas como os investidores compreendem o seu funcionamento e o valor que criam tanto para as empresas como para as pessoas. Aliás, o desenvolvimento da indústria transformadora, levaria a uma transformação do tecido económico português em um modelo mais saudável, aproximando-se da média europeia em termos de peso da indústria transformadora no PIB. Essa transformação teria um impacto relevante no crescimento das exportações líquidas e na redução da sua volatilidade.
  2. Reforma das finanças locais para permitir que os contribuintes decidam que município deve receber a parcela do seu IRS destinada ao Fundo de Equilíbrio Financeiro: Esta medida permitiria, por exemplo, que um contribuinte com residência num determinado concelho pudesse direcionar essa parcela para outro município. Potenciar-se-ia, deste modo, um aumento de receita nos municípios do interior, incentivando o investimento em serviços públicos de qualidade para garantir a continuidade dessas receitas nos anos subsequentes. Ao mesmo tempo, premiaria os municípios, tanto em áreas urbanas quanto rurais, com estratégias eficazes, recompensando o mérito da sua capacidade de gestão pública e incentivando a melhoria das infraestruturas e serviços prestados.
  3. Investimento na requalificação da força de trabalho local (upskilling): O nível de escolaridade e formação no interior é significativamente inferior ao do litoral. Incentivar o acesso e a criação de programas de qualificação para elevar as competências da população local, adultos e a população ativa, é essencial para disponibilizar às empresas mão de obra capaz de se adaptar às novas tecnologias e às mudanças do mercado de trabalho. Este deve ser um verdadeiro desígnio, tanto municipal quanto nacional, de forma a garantir que ninguém fica para trás.
  4. Dotar o ensino superior de maior autonomia: Apesar do investimento realizado em politécnicos e universidades no interior, e de alguns casos de sucesso na transformação do tecido económico regional, como na Covilhã e no Fundão em torno da Universidade da Beira Interior, estas instituições ainda mantêm cursos desajustados às necessidades locais de mão de obra qualificada. É crucial dotar as instituições de ensino superior de maior autonomia, tanto na admissão de alunos quanto na criação de cursos e programas. Isso melhoraria não apenas a adequação dos conteúdos lecionados às necessidades regionais, como também tornaria essas instituições mais ágeis e resilientes às mudanças na procura de mão de obra, que é cada vez mais dinâmica.
  5. Apoio à transformação digital dos municípios e empresas: A digitalização dos processos nas estruturas locais, como Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia, pode simplificar a burocracia, acelerar licenciamentos e certificações, reduzir o tempo e a arbitrariedade desses processos e, assim, aumentar a satisfação tanto dos munícipes quanto das empresas instaladas no município. Além disso, os municípios ou as comunidades intermunicipais podem desempenhar um papel decisivo no apoio às empresas, promovendo um Programa de Transformação Digital Local, não necessariamente através de recursos financeiros, mas por meio da disponibilização de informação, desenvolvimento de fóruns locais, estruturas de apoio e cursos de formação para empresas locais, focados em tecnologias emergentes e soluções digitais adaptadas ao contexto português. Esse tipo de ação contribuiria significativamente para melhorar a competitividade das empresas locais, reduzindo a necessidade de mão de obra e mitigando, assim, as dificuldades no acesso a trabalhadores qualificados.
  6. Investimento em Infraestruturas Hídricas: Não há crescimento económico sem energia nem água. E, se por imperativo de competitividade devemos procurar energia acessível, no caso da água é necessário desenvolvermos uma estratégia para uma melhor distribuição pelo território nacional, criando incentivos para uma maior eficiência no seu uso, bem como para a construção de novas autoestradas da água e mais barragens. Essas são medidas decisivas para fortalecer as economias do interior e reduzir a sua sazonalidade.

Estas seis dimensões representam uma primeira abordagem para resolver muitos dos problemas de coesão que Portugal enfrenta. Permitiriam um crescimento mais saudável da nossa economia e também ajudariam a reduzir a pressão atual sobre a mobilidade e a habitação em áreas como Porto e Lisboa. Igualmente, se acompanhadas de uma maior autonomia local ou regional, contribuiriam para uma melhor distribuição e maior eficiência na prestação de serviços públicos, como saúde e educação.

Quanto ao financiamento dessas propostas, poderia ser realizado através da utilização dos atuais fundos de coesão europeus atribuídos a Portugal. No que diz respeito à criação de um sistema de incentivos fiscais para o investimento no interior, o financiamento seria por meio do Orçamento do Estado, uma vez que implicaria uma redução na receita líquida de IRC.

Investir no interior não é apenas uma questão de equidade no acesso a oportunidades, é também uma oportunidade de virar a página da desigualdade territorial e transformar o interior no novo motor de desenvolvimento para um Portugal mais próspero e com futuro. É lutar pelo desígnio de colocar Portugal com níveis de rendimento acima da média dos países europeus. A minha geração é uma das que ainda tem terra, que passava o Natal em casa dos avós em Monção. Não podemos prender o desenvolvimento do país a um saudosismo bucólico. Mas há uma última pergunta que devemos fazer: queremos um país ou um conjunto de cidades-estado? Se nada fizermos, este será o resultado.

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