Opinião

Palavra da semana #93: Monstro

Os monstros não existem? Existem, só que geralmente ninguém dá por eles até ao dia em que aparecem nas primeiras páginas já com o monstruoso estatuto atrelado

Há poucas semanas tivemos a polémica das pessoas que menstruam. Mas há outra controvérsia a que deveríamos dar atenção: a das pessoas que monstruam. As pessoas que menstruam, sabemos agora, podem identificar-se como homens ou mulheres. Já as pessoas que monstruam são, em larga maioria, homens e aparecem na primeira página do Correio da Manhã. Aliás, é mesmo aí que esses homens, de quem aparentemente nunca ninguém desconfia que pudessem monstruar, monstruam oficialmente.

Acontece muito a cidadãos pacatos cuja expressividade verbal não vai além do “bom dia, boa tarde”, com os quais os vizinhos nunca tiveram problemas e, apenas em casos excecionais, de quem tinham poucas razões de queixa. Algumas pessoas que monstruam dão indícios de poder vir a monstruar, mas estas só são detetadas por indivíduos atentos ou intrometidos que estranham a quantidade de gatos mortos num quintal ou que se lembram de ter visto o homem a passear pelas ruas da aldeia com uma fatia de fiambre na testa.

Entre as pessoas que monstruam, predominam as inconspícuas e dissimuladas. Têm um extenso currículo de monstruosidades praticadas no passado mas que não são do conhecimento público. E um dia, sem que ninguém espere, voltam a monstruar abundantemente. Terá sido esse o caso do mais recente monstro ou pessoa que monstrua, Manuel Martínez Quintas, natural de Zamora, Espanha, mas residente numa autocaravana junto à barragem de Póvoa e Meadas, concelho de Castelo de Vide.

Conhecido como Manolo, este pacato psicopata assassinou um casal de namorados em Espanha há décadas, foi condenado e, poucos anos após a libertação por bom comportamento (é de louvar a tendência para o bom comportamento das pessoas que monstruam quando se encontram privadas da liberdade; raramente monstruam na prisão), tornou a monstruar e violou uma mulher.

Nas redondezas, ninguém sabia que o Manolo era uma pessoa que monstrua, embora um habitante daquela zona tenha confidenciado a amigos que o espanhol era homem para um dia fazer das boas. Fosse pelas barbas mosaicas ou pelo facto de Manolo viver em estado selvagem e ser portador de uma arma de fogo, ele percebeu estar na presença de alguém com elevado potencial para monstruar. E monstruou, para grande infortúnio de duas jovens que com ele se cruzaram.

Desconheço os critérios científicos usados, mas poucos dias depois da ocorrência, Manolo recebeu a distinção: tornou-se no monstro, na linha de um Rei Ghob, do Palito, de Pedro Dias e de outros que mereceram o epíteto, alguns com a origem geográfica ou o local dos crimes atrelado à designação principal para assim criar uma hierarquia ou uma forma de facilmente se distinguirem uns dos outros. Este poderia ser o “monstro de Castelo de Vide”, o “monstro da barragem” ou, para os que se preocupam em preservar a dignidade nacional, o “monstro de Zamora” (o que para um nacionalista, ao conspurcar o tratado da independência, também não seria agradável) ou o “monstro espanhol”. Do que não restam dúvidas é que se trata de um monstro. Ou, para ser fiel à exatidão, de uma pessoa que monstruou.

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