Opinião

Um programa sem rasgo

Um programa sem rasgo

Hugo Costa

Economista e deputado do PS

Este é um programa sem rasgo, sem uma verdadeira análise de impacto, sem métricas das suas consequências. Embora apresente um conjunto, pequeno, de pontos positivos, não será este, seguramente, o programa que vai transformar a economia portuguesa

O Governo apresentou o denominado programa “Acelerar a Economia”. Muitas das medidas apresentadas são vagas e meras declarações de intenções. No essencial, o que é bom não é novidade e resulta da continuidade das políticas públicas levadas a cabo pelos governos do PS nos últimos 8 anos. O que é novo é injusto e está longe de ser a “bala de prata” para a competitividade de que a nossa economia precisa, ou seja, a redução do IRC. E, neste programa, falta algo que é obrigatório em políticas públicas: avaliação, metas e análise de custo-benefício dos respetivos efeitos multiplicadores de cada medida.

O objetivo de mais crescimento económico é positivo. Nessa matéria estou totalmente de acordo. Mas será este programa a chave de que o País necessita? Um primeiro ponto relevante é que, nas suas intervenções públicas, o Ministro da Economia (e contrariando toda a campanha da AD) admitiu que o crescimento económico dos últimos anos era sustentado e acima do registado pelos parceiros europeus. É a estratégia do “polícia bom”, face ao populismo das intervenções do PSD e CDS oficiais, mais próximas do radicalismo do Chega e da IL.

Em relação ao IRC, a medida custa 500 milhões de euros ao ano por cada descida de 2 pontos percentuais no mesmo período. O objetivo é chegar aos 15% (atualmente, a taxa está nos 21%) no espaço de três anos, o que significa que, em 2027, o impacto será de cerca de 1,5 mil milhões de euros, continuando esse mesmo impacto a registar-se nos anos seguintes. Uma análise dos grandes números deste imposto revela que 40% das nossas empresas não pagam este imposto e que 45% da receita é garantida por, apenas, 0,2% das empresas.

Resulta daqui que, através dos benefícios, muitas empresas pagam 10% de IRC ou menos, visto ser diferente a taxa nominal da efetiva. Obviamente que, neste ponto, com melhor consultoria e planeamento fiscal conseguem-se melhores resultados.

Esta redução está muito longe de ser o ponto-chave da nossa economia e da sua competitividade. Não conheço os dados dos efeitos multiplicadores feitos pelo Governo e a ausência dessa apresentação pode indiciar falta de estudo da medida ou, até, a sua irrelevância, hipótese em que acredito. Obviamente, existem sempre efeitos, mesmo que marginais. Mas precisamos de considerar que efeitos teríamos se o custo da medida fosse alocado em outro lugar.

Temos muitos pontos-chave para a captação do investimento estrangeiro, mas o IRC não é um deles. Tenho sérias dúvidas de que alguma empresa tenha deixado de investir em Portugal por causa do IRC. Importa, por exemplo, resolver a incapacidade das infraestruturas de rede de energia, bem como investir em infraestruturas estratégicas como a ferrovia de alta velocidade, e promover a especialização da nossa economia.

No campo fiscal, as chamadas tributações autónomas são bem mais injustas pois oneram custos que não estão relacionados com a atividade direta da empresa. A redução dessas tributações introduziria muito mais equidade fiscal e teria um impacto transversal na economia.

Outra medida que me levanta grandes dúvidas é a recuperação do regime dos residentes não habituais, prevendo o pagamento de 20% de IRS. Não acredito na justiça dessa medida, que acaba por ter efeitos colaterais negativos, especialmente no preço da habitação.

Resumindo, é um programa sem rasgo, sem uma verdadeira análise de impacto, sem métricas das suas consequências. Embora apresente um conjunto, pequeno, de pontos positivos, não será este, seguramente, o programa que vai transformar a economia portuguesa.

A pergunta impõe-se: quando teremos um debate sobre a especialização? Ou continuaremos a apoiar tudo, em critério, independentemente de ser ou não investimento produtivo? Espero que o próximo pacote de medidas aborde essa questão. Ou será que falta coragem para isso?

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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