Opinião

O estado do INEM: a tempestade perfeita

O estado do INEM: a tempestade perfeita

Pedro Coelho dos Santos

Mestre em Guerra da Informação pela Academia Militar e especialista em Gestão de Crise Mediática

O INEM desempenha um papel de grande relevância, salvando inúmeras vidas. Está ligado às máquinas, a precisar de urgente reanimação. Para o estado a que chegou contribuíram todos os Governos dos últimos 14 anos

O Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) salva vidas todos os dias, muitas vezes em situações absolutamente limite. A relevância do seu papel não merece qualquer contestação e tem merecido o reconhecimento e a simpatia da sociedade portuguesa, que confia na Instituição e nos seus profissionais.

Em conjunto com as entidades que integram o Sistema Integrado de Emergência Médica (SIEM) – corpos de bombeiros, núcleos da Cruz Vermelha Portuguesa, Polícia de Segurança Pública e a Guarda Nacional Republicana – é um pilar verdadeiramente fundamental do próprio Serviço Nacional de Saúde (SNS). Quem vos escreve estas linhas fá-lo com conhecimento de causa: integro o INEM desde 2001 (atualmente em situação de licença sem vencimento), fui já por mais de uma vez dirigente naquela casa e dediquei-lhe, com muito gosto, milhares e milhares de horas de trabalho.

É por isso com grande tristeza que assisto, nos últimos anos, à degradação do serviço prestado pelo INEM. Chegou-se a uma situação de uma espécie de “serviços mínimos”, com um nível de serviço aquém dos padrões de outros tempos, exigindo-se uma refundação urgente e a definição de uma visão a médio/longo prazo daquilo que se pretende para a emergência médica pré-hospitalar e para o próprio Instituto.

Mas como foi possível chegar ao estado atual? A resposta é simples: juntou-se a tempestade perfeita, causada por:

Falta de liderança e visão

Desde 2011 que nenhum governo pode clamar inocência no estado a que chegou o INEM. O famoso “ir para além da troika”, do governo PSD/CDS entre 2011 e 2015, causou danos também na emergência médica, com cortes na estrutura operacional e no investimento. Um exemplo disso mesmo foi a redução do Conselho Diretivo para os atuais dois membros (situação de duvidosa legalidade), manifestamente insuficientes para uma Instituição de dimensão nacional e para a exigência que se coloca ao órgão máximo de gestão. Outro exemplo foi a extinção da Delegação Regional do Algarve.

Os governos que se seguiram (com uma honrosa exceção por parte da tutela tida pelo dr. Fernando Araújo enquanto Secretário de Estado da Saúde) demonstraram também uma penosa falta de visão sobre o que se pretende para a emergência médica pré-hospitalar no contexto do SNS. Por resolver ficaram também os graves problemas de (des)investimento. Bem como a clarificação do papel dos vários intervenientes do SIEM e a clarificação entre o duplo papel de regulador e de prestador de serviços que o INEM tem atualmente.

Estrutura interna desadequada

A estrutura interna do INEM está desadequada face às exigências. Para tal há que aceitar o óbvio: a reconfiguração da orgânica, com a adaptação dos serviços à especialidade técnica das várias subáreas com que o INEM lida diariamente e com o fortalecimento da estrutura dirigente, seja ao nível do Conselho Diretivo, seja ao nível dos departamentos e gabinetes. Tal implica aumentar o número de dirigentes, aumentar a despesa, e é por isso um caminho altamente impopular do ponto de vista político.

Diria mesmo que esta necessidade está votada ao insucesso. Uma pena, porque resultaria num INEM mais operativo, com mais e melhor massa crítica interna e com muitíssimo mais capacidade para se desenvolver em domínios tão fundamentais como os Sistemas e Tecnologias de Informação, a captação de financiamento europeu para projetos estruturantes e até a revisão dos seus algoritmos médicos de atuação perante as emergências.

Carência de Recursos Humanos

O número de profissionais do INEM é manifestamente insuficiente para as necessidades. Fruto da falta de atratividade das carreiras e dos baixos salários. As profissões nesta área da emergência médica são relativamente mal pagas. Veja-se o caso dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar (os paramédicos portugueses, para facilitar) que arriscam a sua própria vida para salvar a dos outros e no final do mês levam para casa pouco mais do que o salário mínimo…

As falhas de eficácia atuais resultam em grande medida da falta de profissionais. Para que as ambulâncias estejam operacionais (como é suposto), para que as chamadas com os pedidos de socorro sejam atendidas em tempo útil é preciso contratar mais profissionais e criar as condições que estes se mantenham na Instituição. Uma vez mais, será necessário assumir que será necessário aumentar a despesa, sendo que isso poderá ser feito sem onerar os contribuintes portugueses num único cêntimo.

Financiamento insuficiente

O INEM não é financiado através do Orçamento do Estado. Este é um facto desconhecido pela generalidade dos portugueses (políticos incluídos), mas fica o leitor a saber que o financiamento da Instituição é assegurado através de uma taxa aplicada sobre os prémios de determinados tipos de seguros.

Ora, a receita é atualmente (e desde há vários anos) manifestamente insuficiente para as necessidades. Face ao aumento generalizado das despesas, face à necessidade constante de investimento em novas ambulâncias e viaturas médicas e respetivo equipamento, face ao vertiginoso aumento com o custo do Serviço de Helicópteros de Emergência Médica, face ao aumento com as transferências para os parceiros do SIEM, não há como esconder: o orçamento não chega para tudo!

Só há dois caminhos possíveis: ou os contribuintes passam a financiar a Instituição através do Orçamento do Estado, ou terá de se aumentar a taxa sobre os referidos prémios de seguros. Seja qual for a escolha, exigirá capacidade e coragem política e exigirá sobretudo que se compreenda que a “ditadura das finanças” compreenda que cortar custos na emergência médica significa cortar a capacidade de salvar vidas. Costuma dizer-se que “uma vida não tem preço”. Não é bem assim, mas quase…

Nota 1: conheço bem o presidente cessante. O dr. Luís Meira é um homem bom e um profissional competente. Fez o possível e o impossível para manter o INEM à tona, em condições particularmente difíceis. Merece reconhecimento e respeito.

Nota 2: conheço bem o presidente indigitado. O dr. Vítor Almeida é um profissional que conhece a casa e o SIEM. Tem experiência e competência indiscutíveis para fazer um bom trabalho, assim lhe sejam dadas condições pelo atual governo. Merece ser apoiado.

Nota 3: o INEM tem os melhores profissionais do mundo. Têm tarefas de grande responsabilidade e exigência e infelizmente não receberam o reconhecimento que lhes é devido. A todos eles um abraço e o meu agradecimento público pelo seu bom trabalho.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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