Opinião

A polícia quer mesmo continuar a levar André Ventura a sério?

A polícia quer mesmo continuar a levar André Ventura a sério?

Gonçalo Ribeiro Telles

Comentador político, fundador e consultor de comunicação na GRiT Communication & Political Risk

O Chega existe para criar ou cimentar o caos. Vale tudo para esse propósito e a ilusão de uma direita radical portuguesa em grande parte ou exclusiva do ‘descontentamento’ foi uma espécie de ingenuidade em modo conto para idiotas que se prolongou no tempo

Existem algumas formas de interpretar a gravidade da rebelião que André Ventura pediu aos polícias “dentro e fora” do parlamento para esta quinta-feira. As conclusões é que vão todas dar ao mesmo sítio.

A primeira e mais óbvia é que a muitos já sabem há largos meses: o Chega existe para criar ou cimentar o caos. Vale tudo para esse propósito e a ilusão de uma direita radical portuguesa em grande parte ou exclusiva do ‘descontentamento’ foi uma espécie de ingenuidade em modo conto para idiotas que se prolongou no tempo. A segunda é que não existe revés como o das eleições europeias que tempere ou faça com que este partido não vá ao encontro da sua raiz. O objetivo passa por corroer a sociedade de tal forma que a infiltração em determinados setores seja cada vez maior e contamine. Finalmente, a terceira e última é a de que André Ventura se preocupa realmente com a causa dos polícias. Numa fase de plena negociação com o novo governo e em que já foram conseguindo melhorar as condições, o líder da direita radical faz um apelo que pode colocar em causa essa mesma realidade. Até porque não é nada certo que grande parte da sociedade portuguesa se reveja numas forças de segurança a agir do modo que André Ventura pede que o façam. Pelo contrário.

Como chegamos até aqui?

É fácil de entender e basta olhar para duas das reações a este pedido. A do principal sindicato da PSP e a do Movimento Zero que se juntou e reforçou o pretendido por Ventura junto de todos os polícias. A última, deste movimento, não surpreende minimamente também. Desde 2021 que, para bom entendedor, alguns dos indícios apontados em variadíssimas investigações são clarificadores. Os crimes pela promoção do racismo, xenofobia e não só nas redes sociais tornaram este braço armado do Chega fora delas como um dos movimentos que pode levar à descredibilização completa destas forças de segurança. A descida vertiginosa prometia-o e houve alguma ingenuidade, intencional ou não, do próprio primeiro-ministro, Luís Montenegro, em não perceber na campanha eleitoral onde começava a causa e acabava a infiltração da extrema-direita na PSP e GNR. É isso que deve preocupar mais na reação deste sindicato.

Seja como for, dificilmente alguém atento ainda acredita que André Ventura e o Chega querem algo do que não seja capitalizar sobre a infiltração que advém desse tempo nestas e noutras entidades. Disso depende o definhar da democracia de todas as formas e feitios.

Não é por acaso que um André Ventura bastante mais nervoso depois das eleições europeias tenha reagido tão mal ao antigo primeiro-ministro, António Costa, no Conselho Europeu e à ineficácia do ‘tiro’ das escutas de uma parte do Ministério Público. Ou que não consiga lidar com a constante descredibilização na forma e modo de atuar dessa mesma entidade fundamental e da atual Procuradora-Geral da República aos olhos da maioria dos portugueses.

É neste contexto que a polícia quer continuar a levar a sério os pedidos do líder da direita radical?

Contrariamente aos EUA, estamos e esperemos que nos manteremos longe da previsão que o fascismo chegará embrulhado numa bandeira e carregando uma cruz.

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