Opinião

Olivença ainda é nossa?

Olivença ainda é nossa?

Francisco Pereira Coutinho

Professor na Nova School of Law

Não subsistem razões de monta para procrastinar a resolução de um conflito fronteiriço secular entre os países ibéricos. Se Portugal e Espanha estão convencidos da robustez dos seus argumentos jurídicos sobre Olivença, então que os testem em tribunal

Olivença é um irredentismo luso em vias de extinção. Anualmente proponho aos meus alunos de direito internacional público que debatam a secular disputa territorial na raia alentejana. São raros aqueles que a conhecem no início do semestre. A culpa não é deles. O Estado português nunca foi sequer capaz de refletir a reivindicação territorial nos mapas que ilustram os manuais da instrução primária. Nem durante o Estado Novo. O “Portugal uno e indivisível do Minho a Timor” não incluía de facto Olivença. Nada de substancial se alterou desde a Revolução dos Cravos. Será então este o momento, como sugere Rodrigo Tavares aqui e aqui no Expresso, para renunciarmos de jure a Olivença?

O território é o espaço soberano da nação. No caso português, abrange o “território historicamente definido no continente europeu” (artigo 5.º da Constituição), redação ardilosa que teve como propósito incluir Olivença. Apenas se admite a retificação de fronteiras. Nunca seria o caso da renúncia a uma região que integra o território português desde o reinado de D. Dinis (Tratado de Alcanizes, de 1297).

Resta saber se estaríamos a renunciar a algo que já não nos pertence. Ao contrário do que sugere Rodrigo Tavares, não podemos dar por adquirido que, à luz do direito internacional, Olivença esteja inserida “inequivocamente em território português”. Não é essa a posição espanhola. Do outro lado da fronteira, o título jurídico sobre Olivença baseia-se, no essencial, numa dupla linha argumentativa. Primeiro, o artigo 105.º da Ata Final do Congresso de Viena (1815), que alude à restituição a Portugal do território cedido a Espanha pelo Tratado de Badajoz (1801) na sequência da Guerra das Laranjas, constitui uma obrigação de meios e não de resultado. Apenas requer que as partes iniciem negociações tendentes à devolução de Olivença. Espanha considera ter cumprido essa obrigação de boa-fé, tendo inclusivamente negociado a troca de Olivença pela Banda Oriental/Província Cisplatina (atual Uruguai), tomada aos espanhóis, por D. João IV, em 1817. Segundo, ainda que não se reconheça a validade do título jurídico resultante de conquista baseado no Tratado de Badajoz, Espanha invoca a aquisição de Olivença por prescrição aquisitiva (usucapião). Considera que exerce, há mais de dois séculos, uma posse pública, contínua e pacífica sobre o território. O habitual silêncio oficial português sobre Olivença deve, assim, ser interpretado como um consentimento tácito (aquiescência) relativamente à aquisição territorial espanhola.

Portugal sempre entendeu que do Congresso de Viena, ratificado por Espanha em 1817, resulta a obrigação explícita de restituição de Olivença “o mais brevemente possível”, a qual não está sujeita a qualquer condição, e muito menos a qualquer troca territorial. A exigência de restituição foi uma constante da atividade diplomática portuguesa durante a primeira metade do século XIX, em particular durante o consulado do duque de Palmela, tendo persistido depois mais episodicamente. Encontra, ainda assim, expressão manifesta na ausência de delimitação fronteiriça da região de Olivença nos Tratados luso-espanhóis de delimitação de fronteiras de 1867, 1893 e 1926, e, mais recentemente, em 2000, na construção, exclusivamente por Portugal, da ponte da Ajuda, que atravessa o Guadiana perto da cidade de Olivença. Por outras palavras, Portugal nunca reconheceu, expressa ou implicitamente, qualquer reivindicação espanhola sobre Olivença.

A querela entre Portugal e Espanha sobre Olivença persiste num tempo em que felizmente não faltam instâncias jurisdicionais de resolução de litígios entre Estados. Rodrigo Tavares sugere a submissão da questão ao tribunal arbitral permanente da Haia. O caminho mais óbvio seria, todavia, o recurso pactuado ao Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), também localizado na Haia. Uma demanda unilateral seria inadmissível dado a declaração portuguesa de aceitação da jurisdição obrigatória do TIJ excluir disputas jurídicas territoriais como a de Olivença.

E se Portugal ganhasse? Isso não colocaria em causa a presumível vontade dos oliventinos de continuar a viver em Espanha? Seguramente. Mas essa vontade tem, à luz do direito internacional, a mesma irrelevância da dos muitos catalães ou bascos que prefeririam viver numa Catalunha ou País Basco independente. A vontade da quase totalidade dos gibraltinos, acrescente-se, é um argumento que o Reino de Espanha desconsidera em absoluto nas discussões sobre o futuro político do território não autónomo administrado pelo Reino Unido.

Desde 1995, com Schengen, está apenas em causa, em Olivença, a definição de uma fronteira virtual – e não já física – entre dois Estados-Membros da União Europeia. A resolução da querela fronteiriça não teria consequências significativas para os oliventinos. Estes são cidadãos da União Europeia e, consequentemente, não podem ser discriminados face a nacionais, tendo direito de circulação e permanência no território da União. Acresce que muitos têm dupla nacionalidade, e os que não a têm podem solicitar a nacionalidade portuguesa.

Não subsistem, portanto, razões de monta para procrastinar a resolução de um conflito fronteiriço secular entre os países ibéricos. Talvez servisse de inspiração para, posteriormente, se resolver a mais complexa delimitação marítima, nas Selvagens (a soberania portuguesa sobre as ilhas não é contestada por Espanha). Se Portugal e Espanha estão convencidos da robustez dos seus argumentos jurídicos sobre Olivença, então que os testem em tribunal.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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