Não é só pela contabilidade que isto remete para o ambiente de festa popular que antecedeu o desastre de 2008. Há coisas que são tão óbvias que é penoso ter de assistir a elas sabendo já o desfecho final
Como era de prever, a Cimeira da Paz para a Ucrânia, realizada na Suíça, deu em nada. Até custa a crer que gente tão importante e tão ocupada tenha desperdiçado dois dias do seu precioso tempo num desfile de vaidades que já se sabia inútil à partida. Aliás, tudo o que havia de relevante a decidir já tinha sido feito nos dias antecedentes, primeiro na reunião de ministros da NATO, onde Stoltenberg lhes sacou mais dinheiro, mais armas e mais compromissos para com a Ucrânia, e depois na reunião do G7, em que se tomou a decisão de utilizar parte do dinheiro russo depositado em bancos ocidentais para o entregar à Ucrânia — um precedente jurídico e político que amanhã os palestinianos poderão também reclamar contra Israel ou os afegãos contra os Estados Unidos, por exemplo. Mera hipótese teórica, claro está. Putin, por seu lado, anunciou de véspera as suas condições para a paz: dando a Crimeia por assunto fechado, reclamou também a retirada das forças ucranianas das províncias do Donbas e ainda de zonas ocupadas por forças russas e outras adjacentes, nem sequer ocupadas. Obviamente, condições inaceitáveis, como o eram as 10 condições levadas por Zelensky para a conferência na Suíça. Mas é assim que começam todas as discussões de paz, com cada um dos lados a propor o que sabe ser inaceitável pelo outro. Depois, há um mediador que vai partindo pedra entre os dois até se chegar a um ponto em que ambos estão insatisfeitos com o resultado final: e é esse o ponto de acordo. Mas se, pelo contrário, e como diz Ursula von der Leyen, essa entusiástica das guerras, a paz só puder ser ditada nos termos que a Ucrânia quiser, então nunca haverá paz — o que parece ser o que ela e muitos destes nossos queridos líderes reunidos na Suíça querem. Infelizmente para eles, países determinantes do chamado “Sul global”, que juntos representam uma larga maioria da população mundial — China, Índia, Indonésia, Brasil, África do Sul, Nigéria —, não os acompanham na abordagem simplista aos conflitos da Ucrânia e da Palestina, até porque a moral que invocam num caso não estendem ao outro e a única coisa comum são as armas que os “NATO subjects” fornecem aos seus aliados. Creio bem que se perguntassem aos russos se preferem a paz ou a continuação da guerra, a grande maioria preferiria a paz, fartos de guerra e de sanções e de terem como únicos amigos no mundo Xi Jinping, da China, Lukashenko, da Bielorrússia, ou Kim Jong-un, da Coreia do Norte. E o mesmo responderiam os ucranianos, que acabam de abrir as prisões aos cadastrados em troca de seguirem para a frente de batalha, porque os dois milhões de homens em idade de combater que estão no estrangeiro não regressam para o fazer. Mas esta grande geração de líderes que temos hoje tem outros planos para uns e outros.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt