Ainda há dias vimos os portugueses acorrerem em massa às ruas para festejar a liberdade. O facto de terem passado cinco décadas sobre a data fundadora do regime não fez esmorecer a celebração, nem causou qualquer desinteresse ou alheamento. Pelo contrário, a adesão popular foi espontânea, o reconhecimento generalizado e o entusiasmo dos mais jovens por uma revolução que não viveram mas de cujas conquistas são plenos beneficiários foi emocionante.
Hoje celebramos a União Europeia. E as quase quatro décadas de integração de Portugal no projeto europeu não são razão menor para festejar. Com o 25 de abril veio a Europa e com a Europa veio o progresso, a modernização, o desenvolvimento económico e social e a pertença a um espaço comum de liberdades fundamentais.
Mas a melhor maneira de celebrar a Europa é mesmo discuti-la. E este ano podemos prolongar a festa durante um mês inteiro. De 9 de maio a 9 de junho, temos oportunidade de nos dedicarmos ao projeto europeu e de esgrimirmos diferentes visões sobre o mesmo; de valorizar a integração europeia e tudo o que nos trouxe, sem a darmos por adquirida, antes reconhecendo os diversos perigos à espreita, desde as guerras na vizinhança à corrosão interna por forças nacionalistas, populistas e eurocéticas; e de votar, escolhendo o futuro que queremos para a União Europeia.
Em 2024, a data das eleições europeias não é a ideal. Mas as circunstâncias permitem um debate verdadeiramente europeu. Com a disputa eleitoral para as legislativas recentemente concluída, devemos resistir à tentação de contaminar a campanha com a atualidade política nacional e, ao invés, discutir os desafios que se colocam à União Europeia nos tempos vindouros. E não faltam desafios estratégicos e decisivos, com impacto no nosso devir coletivo.
Aqui ficam cinco.
1) Perante as ameaças externas e a atuação de potências hostis, perante o ambiente geopolítico de tensão e crescente insegurança, perante os conflitos militares à nossa volta e a corrida ao armamento, perante a incógnita na relação transatlântica, a UE deve preparar-se para assumir mais responsabilidade pela sua própria segurança e defesa.
2) O alargamento da UE, a leste e aos balcãs ocidentais, tornou-se incontornável. Mas vai implicar um conjunto de reformas difíceis, nos processos de tomada de decisão, na repartição de recursos e na gestão das principais políticas europeias, como a PAC ou a política de coesão.
3) O Pacto Ecológico Europeu e a transição verde devem prosseguir, mas em diálogo com todos, de forma justa, ponderada e inclusiva, sem deixar ninguém para trás.
4) Será necessário, também, prosseguir o caminho de autonomia estratégica da UE. Sem se fechar sobre si própria ou virar costas ao resto do mundo, mas potenciando a sua capacidade produtiva, reforçando o mercado interno e afirmando a soberania europeia em sectores chave da economia.
5) Tudo isto verterá para a discussão do próximo Quadro Financeiro Plurianual. E aí haverá opções dilemáticas a fazer. Onde encontrar novos recursos próprios da União? Como financiar as enormes necessidades europeias de investimento, na defesa, na diversificação energética, nas transições verde e digital? Como apoiar as empresas europeias face à concorrência desleal levada a cabo pela China e pelos Estados Unidos? Como salvaguardar os envelopes financeiros da coesão e da agricultura? Como acautelar o alargamento?
Há muitas escolhas a fazer. Mas a primeira é nossa, escolhendo a composição do Parlamento Europeu. Dentro de rigorosamente um mês (ou no domingo anterior), em qualquer local do país onde estejamos (independentemente do local de recenseamento), festejemos a nossa condição de cidadãos europeus, votando. Com uma simples cruzinha, celebremos a liberdade, a democracia e a Europa.
Tiago Antunes
(Professor universitário. Ex-Secretário de Estado dos Assuntos Europeus)
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