O homem hipernarcísico já não é um estilo de vida. É uma ideologia
O termo “metrossexual” completa 30 anos em 2024. Antes disso, havia homens que punham creminhos e perfuminhos, tratamentozinhos. Mas não tinham um nome atribuído. Em Portugal, o termo sempre foi empregue quase como uma acusação. “És um metrossexual.” Não que isso colocasse em causa a sua heterossexualidade. Mas criava-se uma suspeita acerca da sua personalidade. Que tipo de homem usa cremes? Sim, foi há 30 anos. O termo terá sido cunhado em 1994 por Mark Simpson, jornalista britânico, embora o protótipo já fosse reconhecido por muitos, nomeadamente através da figura do yuppie de Wall Street que prevalecia na cultura pop e que saltara do bestseller global “American Psycho”, de Bret Easton Ellis, de 1991, que é exatamente sobre um yuppie psicopata serial killer — talvez uma redundância para o autor. No entanto, a ideia do “metrossexual” ficou eternizada no filme homónimo de 2000, na cena da “rotina matinal”, onde Patrick Bateman (Christian Bale), um banqueiro de investimento, se levanta e caminha para o duche, enquanto ouvimos a sua voz interior: “Moro no edifício American Gardens, na Rua 81 Oeste, décimo primeiro andar. O meu nome é Patrick Bateman. Tenho 27 anos. Acredito na importância de cuidar de mim próprio, numa dieta equilibrada e numa rotina de exercício rigorosa. De manhã, se o meu rosto estiver um pouco inchado, aplico uma bolsa de gelo enquanto faço abdominais. Atualmente, consigo fazer 1000. Depois de remover a bolsa de gelo, uso uma loção de limpeza profunda dos poros. No duche, uso um gel de limpeza ativado por água, seguido de um esfoliante corporal de amêndoas e mel e, no rosto, um esfoliante em gel.” E a descrição prossegue por mais alguns minutos. No livro, a narração é muito mais detalhada. Os produtos, os móveis, as cadeiras, o frigorífico, a arte: tudo tem marca ou autor. Enquanto remove a máscara de limpeza, conclui: “Existe um conceito de Patrick Bateman. Uma espécie de abstração. Mas não existe um verdadeiro eu. Apenas uma entidade. Algo ilusório. E ainda que consiga ocultar o meu olhar gélido, e tu possas apertar a minha mão e sentir o contacto da carne, e talvez até possas intuir que os nossos estilos de vida têm semelhanças, na verdade eu simplesmente não existo.”
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