Opinião

Para que servem as sondagens

Para que servem as sondagens

Agostinho Lopes

Membro da Comissão Central de Controlo do PCP e responsável pela Comissão para os Assuntos Económicos

Porque é que a comunicação social dominante faz delas o alfa e o ómega das campanhas eleitorais?

Num texto de judiciosas e pertinentes considerações analíticas, Ricardo Costa – “Duvidam, logo existem” (1) diz quase tudo sobre as razões dos falhanços das sondagens, mas estranhamente não tira conclusões, ou pelo menos não faz algumas inevitáveis interrogações: nestas condições, para que servem as sondagens? Porque se continuam a fazer sondagens? Porque é que a comunicação social dominante faz delas o alfa e o ómega das campanhas eleitorais?

Centrando a análise nas Eleições Legislativas de Janeiro de 2022 e nas recentes Eleições Regionais dos Açores e as contradições (“que terão apanhado toda a gente de surpresa” (1)) verificadas entre sondagens e resultados, RC considera que os desajustes são consequência no fundamental da desvalorização da dimensão do universo dos indecisos (“o partido dos indecisos é o terceiro ou quarto maior em Portugal” (1)), e das mobilizações de putativos abstencionistas, inclusive dos que decidem o “voto em cima da hora”(1). Julgo que poderia sem dificuldade acrescentar, a não consideração dos que recusam responder aos inquéritos (por exemplo, na sondagem do Público de 06FEV24 para as Legislativas de 10MAR24 foram 70% - contactados 3.917 pessoas, responderam 1.917/30% (“aceitaram participar na sondagem”), a manipulação na distribuição dos indecisos (2), e o possível erro técnico de universos de amostragem desadequados pela dimensão e distribuição geográfica da amostra - dimensão insuficiente para a avaliação das intenções de votos nos partidos com baixas percentagens habituais de votantes, acarretando margem de erro máximo associado superior ao indicado, ou extrapolações de votos a partir de certas regiões/ilhas para todo o universo eleitoral.

Seria importante que se pudesse perceber como é que a poucos dias da votação em 25 Janeiro de 2022 todas as sondagens davam um empate técnico entre PS e PSD e depois o PS ganha com maioria absoluta! A sondagem do Público de 28 de Janeiro a 3 dias da Eleição dava 36% ao PS e 33% ao PS, e afirmava: “Tudo em aberto – PS e PSD lado a lado”; “A maioria absoluta é cada vez mais apenas um sonho para o líder socialista.”A sondagem do Expresso da mesma data e igual distância ao acto eleitoral, dava 35% ao PS e 33% ao PSD, e concluía:”Tudo empatado”, “Empate técnico – pântano à vista”. A sondagem da Aximage para o DN, JN e TSF apresentava o PSD como partido vencedor e depois o PS ganha com maioria absoluta de 41%…e o PSD com 28% a uma distância de 13 pontos percentuais. Admirável paradoxo: o sonho do A. Costa feito realidade através das sondagens que o diziam irrealizável!

Como é que no dia 31JAN24, sobre as eleições regionais nos Açores é publicada uma sondagem no Público dando o PS com 39% dos votos e o PSD com 36%, diferença de 3 pontos percentuais e a conclusão do ”PS à frente, AD tem maioria com Chega”, e os resultados das eleições dão a maioria ao PSD com 42% derrotando o PS que obtém 36%, à distância de 6 pontos percentuais!

RC identifica algumas das razões para que “políticos, comentadores, analistas, jornalistas se espalhassem ao comprido”: “habituados a extrapolações feitas com base em séries históricas com alguns padrões os órgãos de comunicação não relevaram” os factores acima referidos! Também a “mudança tectónica” da mobilização de eleitores e muito maior afluência ao voto, com redução dos abstencionistas! E o facto de continuar a haver, como diria o outro, paletes de indecisos. (Para a eleição de 10 de Março a sondagem do Público de 06FEV24 indica 20%, a do Expresso de 02FEV24, 16% e a Intercampus do CM/JN, 14,5%). O problema que RC não esclarece é porque razão (políticos, comentadores, analistas, jornalistas e órgão de comunicação social) ao que parece por “maus hábitos”, distracção, erro técnico, esquecimento não têm as considerações feitas em consideração...nomeadamente as projecções dos indecisos e a possível forte variação da taxa de abstenção. Mas que diabo, já são muitos anos de eleições e sondagens…

Interrogando-se se “A culpa foi das sondagens?”(1) não tem dúvidas: não, mas sim do mau uso das sondagens! E RC olhando para as Legislativas de 2022 refere “Erro nos diversos estudos, sobretudo o de não ter sublinhado de forma clara que PS tinha forte possibilidade de se distanciar do PSD”(1). Sim??? Mas foi erro??? Ou a sondagem ao não sublinhar essa possibilidade, ao dar o empate técnico, ter exactamente esse objectivo: induzir o voto no PS??? “Mas o maior erro (para RC) esteve na leitura dos dados brutos das sondagens e na valorização absoluta das projeções que anulam os indecisos.”(1) Erro maior? Mas então porquê, sondagem após sondagem, continuam a repetir, sistematicamente, os mesmos erros?

Ou seja, é necessário responder à questão “Para que servem as sondagens”? Porque fazem tanto uso delas a comunicação social dominante? Porque transforma praticamente o debate eleitoral numa sucessão infindável de sondagens, aliás muitas vezes contraditórias nos resultados, e no comentário sem fim dos seus resultados? É para ocupar espaço noticioso, porque é produto de mercado mediático com os nºs e percentagens de votos estabelecendo uma espécie de jogo e concorrência entre os partidos, apelativa para os consumidores de notícias e amigos da bola??? Será apenas como escreve RC “O que todos queremos saber é quem ganha, por quanto, que maiorias podem existir, o que acontece aos outros partidos”(1). E então os órgão de comunicação social dedicam-se a satisfazer essa apetência. Será??? Ou é uma tentativa forte mesmo se subreptícia, subterrânea, não assumida para influenciar resultados, para produzir a tal “mudança tectónica” na mobilização dos eleitores, (“voto em cima da hora”, 14% em 2022) e manipulação da sua decisão de escolha livre do voto, conduzindo à urna, conduzindo ao voto útil???

Um técnica de produzir “bipolarização”, melhor “bipartidarização” (outra é a forma de abordagem e do comentário dos debates entre líderes) e mesmo maiorias absolutas, através do reforço/indução do voto útil: X está à beira de ganhar (como mostra a sondagem), então corramos todos a impedi-lo, com o voto em Y; vota em X para ter uma maioria absoluta, ele está mesmo, mesmo à beira dela… o teu voto em Y é desperdício, pode impedir que X ganhe e logo a vantagem para Z; como se «vê» das sondagens há um empate (técnico ou não!) e o teu voto pode desempatar…

As sondagens construídas pela onda mediática dominante vão seleccionando resultados, e sobretudo tendências, com sucessivas sondagens a consolidá-los e amplificá-los. E num golpe de asa, com um resultado diferente, a poucos dias das eleições, provocam a ruptura, e a corrida necessária para a votação que se deseja. E contrariamente ao que se possa pensar não é nada estranho que o “sistema” umas vezes favoreça o PS e outras o PSD, quando não os dois!

As sondagens enquanto instrumento de manipulação e condicionamento são fruto da combinação de um binómio que lhes dá eficácia nesse objectivo - o binómio sondagem propriamente dita e a arquitectada construção de “leitura e comentário” que as acompanha, organizada meticulosamente para potenciar e "explicar" (não vá o povo não perceber) as dinâmicas eleitorais de indução do voto que se quer impor.

Diz a concluir RC que é preciso que nos habituemos à existência de um “factor absolutamente determinante que ninguém sabe calcular: o volume da abstenção (em 2022 “apareceram mais 312 mil pessoas para votar, agora podem decidir ficar em casa. O que altera todas as contas.” (1)) É um facto a nossa impotência nesse cálculo. Mas sabe RC e toda a outra gente que as sondagem influenciam, ajudam a mobilização para o voto (os tais do “voto em cima da hora”). Acrescenta ainda RC “Mas o outro factor só é ignorado por tradição ou ignorância: há muitos indecisos, habituem-se” (1). RC não é ingénuo nem certamente nos quer passar um atestado de indigentes mentais. Não é possível acreditar que os especialistas em sondagens, comentadores e jornalistas se comportem por tradição, e menos ainda que sejam ignorantes, quando se pronunciam sobre estas questões. E sabe o RC e toda a gente que as sondagens (na versão binómio – percentagens e comentários) ajudam a decidir e influenciam a escolha, o sentido do voto. Nomeadamente para o tal e nunca por demais louvado “voto útil” que faz 1º Ministros e maiorias absolutas. É por isso que são feitas, e não apenas para vender mais jornais…


(1)Ricardo Costa, “Duvidam, logo existem”, Expresso, 09FEV24.

(2)Em geral não é explicitado nos textos das sondagens, nem sequer na dita Ficha Técnica, a forma de converter indecisos em votantes: recurso a anterior votação ou avaliação da predisposição do inquirido em quem poderá votar, ou outra; é através do inquérito aos indecisos (16%) que o Expresso de 02FEV24 determina a sua distribuição; o que não acontece na Sondagem do Público de 06FEV24, onde não há qualquer referência à forma como distribuiu os indecisos (20%), o que impediu inclusive os leitores de detectar o erro das estimativas dos valores das percentagens da CDU e Livre, que estavam trocadas, e de que o jornal se veio penitenciar (diga-se , de forma insuficiente) a 15FEV24.

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