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Opinião

O imperador trans

As leituras woke não podem elevar a ícone uma figura histórica louca e cruel só por causa dos pronomes. Ou podem?

Tantos foram os jornais onde apareceu que a história acabou por bater: “Um imperador romano era uma mulher trans, declara museu”, titulava o “The Times”. Isto porque o North Hertfordshire Museum, em Hitchin, uma pequena cidade de 30 mil habitantes a norte de Londres, assim o decidira. Tinham consultado uma associação LGBT+ que concordara. As razões para considerarem uma mulher trans o jovem Heliogábalo, imperador dos 14 aos 18 anos no início do século III, são que se vestia por vezes de mulher, ‘casou-se’ com um escravo e queria ser chamado “senhora”. Há mesmo a história de que terá dito que gostaria de retirar o pénis através de um procedimento cirúrgico. O museu tem na sua coleção uma pequena moeda do imperador que foi assassinado pela guarda pretoriana. “É uma questão de respeito, pois sabemos que Heliogábalo preferia o uso do pronome ‘ela’, o que é algo que se reflete nas discussões que estamos a ter nos tempos atuais.” Eis o problema com este novo patamar wokista: já não se vai ao passado “matar” heróis por causa de algo que hoje consideramos chocante (ter escravos, por exemplo). Mas vamos ao baú da História recuperar figuras que foram monstruosas e elevá-las a ícones da contemporaneidade porque exigiram ser tratadas por um pronome que não era o delas — ignorando tudo o resto. É que este é o detalhe: Heliogábalo é um imperador que deixou marca não só pela excentricidade, mas também pela loucura e crueldade. E ficou no anedotário romano. Algo que se pode dever mais ao facto de ter origens sírias e querer impor um culto local do que à questão da sexualidade. Em Roma, não existia a categoria ‘trans’. E toda a sexualidade era uma questão de poder. Eis porque toda a discussão sobre “homossexualidade” é difícil de transpor para o presente: era uma questão de hierarquia e não de género. Mas vale a pena falar um pouco de Heliogábalo.

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