Quando a elite económica e política mundial se reuniu há umas semanas em Davos, houve uma notícia que não teve a atenção devida. Um grupo de 250 multimilionários (pessoas com mesmo mesmo muito dinheiro) fez um abaixo-assinado a pedir para serem taxados. Sim, um conjunto de super-ricos juntou-se para pedir maior tributação sobre a riqueza, um aparente paradoxo que só é explicável pelo corolário da sua posição: “o aumento dramático da desigualdade económica está a ser catastrófico para a nossa sociedade”.
Depois de décadas a defender a taxação dos super-ricos, confesso que não foi sem alguma satisfação que percebi que alguns dos visados conseguem ver além do seu umbigo. É claro que a desigualdade corrói os alicerces da sociedade, reduz a capacidade de ação das políticas públicas e coloca em causa o desenvolvimento dos países. É hoje unânime que os investimentos públicos em educação para todos ou saúde para todos são os motores fundamentais do crescimento económico, bem como a existência de sistemas científicos fortes. Mas isso não se faz sem Estado Social e ele não existe sem uma justa distribuição da riqueza criada na sociedade.
A pergunta de Almeida Garret, “Quantos pobres são precisos para produzir um rico?”, chama a atenção para esta ideia basilar: a desigualdade é fruto de uma má distribuição de riqueza. E se uns beneficiam (uma elite cada vez mais reduzida e com uma riqueza mais concentrada), há muitíssimos mais que ficam prejudicados. Olhar para os lucros milionários que os bancos estão a apresentar dá uma outra atualidade a este raciocínio.
Os bancos estão a apresentar lucros recordes. No global, deverá chegar a 5 mil milhões de euros os lucros dos bancos em Portugal em 2023. Será algo como 2% do PIB, isto é, da riqueza do país. E, como já foi anunciado por vários banqueiros, serão para distribuir em dividendos pelos acionistas. É esta acumulação de riqueza legítima?
Os lucros dos bancos têm como fonte principal a margem financeira, que é a relação entre o que os bancos cobram pelos créditos e o que pagam pelos depósitos. É, então, na diferença entre os juros cobrados aos empréstimos realizados (principalmente os créditos à habitação) e os juros pagos pelos depósitos que está o motivo para lucros tão milionários. Não inovação nenhuma, aumento de eficiência, nem sequer qualquer criatividade: é meramente cada banco fazer uso da sua posição (e de comportamentos similares dos seus concorrentes) para ganhar imenso num período em que as famílias enfrentam dificuldades para pagar os seus créditos à habitação. É um abuso que não pode ser tolerado.
O Estado detém o principal banco do país, a Caixa Geral de Depósitos (CGD). Enquanto banco público não tem mostrado qualquer diferença na sua atividade face aos bancos privados e, por isso mesmo, também irá apresentar lucros recordes. E isto não faz qualquer sentido: o Estado deveria usar a CGD para impor uma outra política de juros cobrados pelos bancos. Por exemplo, se a CGD reduzisse em 1,5p.p. o valor médio de taxa de juro cobrado pelos seus créditos, pouparia 1600 euros por ano a uma família que tivesse um crédito à habitação de 150 mil euros. E essa poupança das famílias seria conseguida sem colocar em causa a solidez da CDG. Não é só possível, é uma obrigação.
A política da CGD tem um efeito em cascata: os bancos privados seriam forçados a ter também uma outra política de créditos. E isto não é mau, bem pelo contrário. Como demonstrei, os lucros que todos estão a apresentar são justificados principalmente pelo abuso das taxas de juro praticadas. A consequência seria a da moderação dos seus ganhos, mas não colocaria em causa a sua solidez.
Os bancos apresentam lucros recordes. Serão 5 mil milhões de euros, quase 2% do PIB nacional. São ganhos abusivos, imorais porque feitos à custa das dificuldades das famílias com os créditos que subiram como uma flecha. A Caixa tem de ser chamada para baixar o valor dos créditos.
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