Orbán: já é hora de não dar asas a quem não pode voar
Viktor Orbán é como aquele condutor que ouve falar de um condutor louco que conduz em contramão na autoestrada e diz: “Só um? Estão todos em contramão!”
Presidente do Action for Democracy
Viktor Orbán é como aquele condutor que ouve falar de um condutor louco que conduz em contramão na autoestrada e diz: “Só um? Estão todos em contramão!”
Já há muito que o primeiro-ministro da Hungria testa os limites da UE e da NATO. As suas jogadas em sucessivos Conselhos Europeus e o atraso deliberado na aprovação de um pacote de ajuda de 50 mil milhões de euros à Ucrânia frustraram os líderes da UE e deixaram-no isolado. A inexplicável obstinação que demonstra relativamente à adesão da Suécia à NATO não faz qualquer sentido e deixa a Hungria como o último Estado-membro que ainda não ratificou a candidatura de Estocolmo, apesar das inúmeras garantias em contrário.
O comportamento de Orbán em cada ponto de agenda foi mesquinho, na melhor das hipóteses, ou sinistro, na pior, e indicia uma extraordinária influência por parte do Kremlin. Este último não é o primeiro caso de intransigência, a favor dos interesses russos, que Orbán adota no panorama internacional. Durante os últimos dois anos, o primeiro-ministro húngaro tem-se mostrado feroz nas críticas e ameaçado bloquear as sanções da UE contra a economia russa e contra os principais aliados de Putin.
Pior do que testar repetidamente a paciência dos aliados europeus, desviou-se do consenso acordado pelo bloco, ao ligar a Hungria à energia russa e ao dar voz à propaganda do Kremlin. Em todas as fases, as ações de Orbán contrariaram a UE e o consenso transatlântico, manipulando assim o processo de tomada de decisões do bloco e, em última análise, minando os interesses de segurança coletiva do Ocidente.
Houve quem tivesse sugerido que o autoproclamado “lutador de rua” está cego pelo poder, tendo garantido uma vitória esmagadora em 2022, nas eleições legislativas húngaras. Num contexto de uma oposição política fraturada e de reformas internas que favorecem o partido de Orbán, o Fidesz, que está no poder, é verdade que o primeiro-ministro húngaro pode agora fazer o que lhe apetece, sem repercussões. Com um ego demasiado grande, Orbán tem abordado os compromissos com a UE com uma perceção exagerada da sua própria importância. Os ataques a Bruxelas são agora uma rotina, e a política da UE é constantemente chamada de "paródia". No entanto, é Orbán, e não outros membros do bloco, quem está sozinho na Europa.
Já há mais de uma década que a UE se tem destacado por adiar quaisquer medidas contra o comportamento de Orbán, cada vez mais autoritário. Acontece que, em tempos de guerra, a ameaça que Orbán representa para a UE-27 está a tornar-se existencial. A Europa deve, pois, deixar de ceder à chantagem de Orbán e dispõe de instrumentos para o fazer. Chegou a hora de não dar asas a quem não pode voar.
Na semana que passou, em mais um confronto, Orbán desistiu, por fim, da sua oposição ao pacote financeiro proposto pelo bloco para a Ucrânia. Apesar de toda a arrogância, teve de ceder em praticamente todas as suas exigências. Teve de abdicar do seu futuro direito de veto e aceitou um relatório anual mais sensato, bem como um debate de líderes sobre a implementação do pacote de ajuda.
Orbán garantiu uma análise – preocupante, à primeira vista – das conclusões da Comissão Europeia de 2020 sobre a adesão dos Estados-membros à legislação da UE. Esta nova “garantia”, sobre a forma como o Estado de direito deve ser avaliado pela Comissão Europeia, afirma agora que todo o trabalho deve ser feito de “forma justa e objetiva”, e deixa em aberto a acusação de que, até ao momento, a Comissão não tem agido de boa-fé.
Esperemos que se trate apenas de mais um exemplo de criatividade linguística da UE e não de um abrandamento de regras anteriormente aceites. Há que deixar claro a Orbán que, com as suas táticas de chantagem, não há mais concessões nem compromissos maquiavélicos – apenas mais castigo. O mecanismo de condicionalidade deve ser aplicado de forma rigorosa, com qualquer distribuição de fundos da UE dependente não apenas de compromissos no papel, mas de reformas efetivas.
Um bom começo seria esperar para ver se as reformas judiciais formalmente aprovadas, que Orbán adotou com relutância para desbloquear os fundos congelados da UE, são implementadas. Estas reformas têm como objetivo reforçar a independência judicial através do aumento dos poderes do Conselho Nacional Judicial independente e da reforma do funcionamento do Supremo Tribunal para limitar os riscos de influência política.
A revogação da Lei de Proteção da Soberania, recentemente adotada e inspirada em Putin, deveria ser outra exigência fundamental. Até lá, os fundos da UE devem ser canalizados diretamente para a população, as empresas e os municípios húngaros. Passar por cima do seu governo poderia retirar a Orbán a capacidade de se apresentar a si próprio e à Hungria como a vítima. Por último, a invocação do Artigo 7.º do Tratado da União Europeia, que retiraria a Orbán os seus direitos de voto, deveria ser posta em cima da mesa com toda a transparência.
O comportamento divisionista em que Orbán insiste, assim como o desrespeito total pelos valores da UE, devem ser enfrentados com medidas firmes, tanto para o benefício da Europa como para a população húngara no geral, que está a ver a democracia do seu país e as alianças internacionais a desmoronarem-se de forma evidente. Tem que se parar de “chutar para canto”. A chantagem de Orbán exige uma resposta firme, através de mecanismos legais que defendam os valores da UE e de apoio aos que sofrem com o regime de Orbán – e isto é tanto do interesse nacional húngaro, como do interesse europeu.
Tradução de Nelson Filipe
David Koranyi é presidente do Action for Democracy, um movimento global pró-democracia sem fins lucrativos. Foi subsecretário de Estado e conselheiro principal para a política externa e a segurança nacional de Gordon Bajnai, então primeiro-ministro da Hungria, e conselheiro superior para a diplomacia municipal de Gergely Karácsony, então autarca de Budapeste
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