Opinião

Crescer em Cultura este ano: ainda há tempo

Crescer em Cultura este ano: ainda há tempo

Nuno Castel-Branco

Historiador da Ciência da Universidade de Oxford

Fevereiro é o mês em que 80% das pessoas abandona os propósitos de Ano Novo. Mas há um propósito que não devia cair nos 500 anos de Camões: ler mais. Aprenda a ler mais com o exemplo não só de Camões, mas também de Bill Gates, Barack Obama e Madre Teresa de Calcutá

“Começar é de muitos; acabar, de poucos”, escreveu um intelectual do século XX. Esta ideia descreve bem o mês de Fevereiro, altura pela qual cerca de 80% das pessoas abandonam os propósitos de Ano Novo. Muitos propósitos são demasiado ambiciosos e por isso falham. Mas há um propósito que não devia cair este ano, porque é simples e pode sempre começar em qualquer dia do ano: ler mais. Este ano celebram-se os quinhentos anos do nascimento de Luís Vaz de Camões, talvez o maior escritor da língua portuguesa. Este quinto centenário é uma boa motivação para ler mais em 2024.

Deixem-me contar uma história sobre ler Camões. Nas últimas semanas de 2023 conheci em Oxford, onde sou investigador, um dos mais jovens especialistas em Camões e literatura portuguesa do Renascimento. No meio da conversa com o jovem Professor Simon Park, apercebi-me de que os alunos dele em Oxford, a maior parte dos quais não são portugueses, têm de ler Os Lusíadas completo. Eu fiquei estupefacto porque não me lembrava de ter conhecido alguém em Portugal que tivesse lido todas as estrofes deste clássico português. Mas se alunos ingleses de dezanove anos conseguem ler tanto em menos de um semestre, também jovens e graúdos portugueses conseguem ler mais neste ano. Camões é uma boa inspiração.

Normalmente associamos Camões à boa vida. Um jovem enamorado, como se vê nos sonetos que escreveu, que preferiu dedicar-se à poesia do que aos estudos universitários. O problema é que esta história passa uma ideia errada deste poeta. Mesmo que não tenha estado na universidade (os historiadores não têm a certeza), Camões leu mesmo muito. Dominou os Clássicos gregos, ao ponto de escrever uma epopeia do calibre de Homero e Virgílio. Leu autores recentes do Renascimento italiano como Petrarca. Mas talvez mais representativo do seu nível de sofisticação, Camões lia livros de ciência. Os Lusíadas demonstram que dominava os princípios básicos da astronomia da época, que terá aprendido através da obra avançada de Pedro Nunes. Sabemos que lia muito por aquilo que escreveu.

O sucesso literário de Camões é um bom exemplo de que ler mais traz imensos benefícios. Mas não é preciso olhar para a literatura ou para quem nasceu há quinhentos anos para concluir isto. A verdade é que muitas das pessoas mais bem-sucedidas hoje lêem imenso. Bill Gates disse uma vez ao New York Times que lia cerca de cinquenta livros por ano, o que equivale a mais ou menos um livro por semana. Barack Obama comentou ao mesmo jornal que ler, especialmente biografias, ajudou a formar a sua personalidade como presidente. Do outro lado do espectro político, George W. Bush fazia concursos de leitura com o seu chefe de gabinete na Casa Branca, chegando a ler mais de noventa livros num ano. E não é preciso olhar para os Estados Unidos. O nosso actual Presidente da República é conhecido como um ávido leitor desde os tempos de comentador na televisão.

Seria fácil pensar que estas pessoas de sucesso lêem porque têm tempo para o fazer. Mas a realidade é ao contrário. Estamos a falar de alguns dos profissionais com mais responsabilidades e mais ocupados do mundo. A diferença é que todos arranjam tempo para ler diariamente. Porque não começarmos nós por ler meia hora de manhã ou ao deitar? O importante é arranjar um tempo específico para ler todos os dias.

Cal Newport, um professor de informática formado no MIT e autor de best-sellers como Deep Work e Minimalismo Digital explica que por vezes basta desligar o telemóvel por um curto período para começar a ler mais. É assim que ele consegue ler cinco livros por mês. Todos já vimos as pessoas nos autocarros, ou até em casa, a passar horas a olhar para o telemóvel ou televisão. Desligar dos ecrãs fora do trabalho (para não falar durante o trabalho) não só cria mais tempo para ler como aumenta a capacidade de concentração do cérebro. Isso torna a leitura mais fácil. Este assunto é especialmente delicado quando se fala dos hábitos de leitura dos jovens, visto que os ecrãs são uma das melhores maneiras para matar a imaginação dos nossos filhos.

Por fim, ler mais é um propósito que está ao alcance de todos, ricos e pobres, intelectuais e operários. Talvez o exemplo mais inspirador não sejam os profissionais americanos de sucesso, mas o de Madre Teresa de Calcutá. Esta mulher albanesa deu a vida para tratar dos mais pobres dos pobres na Índia e, depois, no mundo inteiro. Mas todos os dias tirava cerca de meia hora para o que chamava leitura espiritual. Camões, que foi educado pelo tio Bento Vaz de Camões, prior do mosteiro de Santa Cruz em Coimbra, certamente aprovaria.

Nuno Castel-Branco escreve de acordo com a antiga ortografia

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