Opinião

Portugal: estamos preparados para receber quem nos escolhe para viver e trabalhar

Portugal: estamos preparados para receber quem nos escolhe para viver e trabalhar

Ricardo Costa

Chairman do Grupo Bernardo da Costa | Presidente do Conselho Geral da AEMinho

Implementar estratégias que promovam a aceitação, inclusão e participação ativa de imigrantes de diferentes origens contribui para o desenvolvimento socioeconómico. Mas é preciso saber adaptar essas políticas

Portugal depara-se com uma série de desafios que exigem uma reflexão profunda sobre a forma como encaramos a imigração. Longe de ser apenas um fenómeno demográfico, revela-se um elemento crucial para o dinamismo e evolução da sociedade portuguesa. Torna-se por isso essencial uma mudança de mentalidade na forma como a encaramos.

Há uma década, Portugal enfrentava um saldo migratório negativo e uma taxa de desemprego elevada. No entanto, nos últimos 10 anos temos vindo a testemunhar uma mudança de cenário, passando de uma realidade em que víamos as pessoas a partir para uma nova situação em que começamos a vê-las chegar.

Vivemos numa era de competição pelo talento e os países que querem estar no pelotão da frente já perceberam isso. Portugal tem assistido a uma fuga para o estrangeiro de uma parte muito significativa dos seus jovens talentos. Com isso, perdemos riqueza, aumentamos a pobreza e rejeitamos a mudança. Esta é uma realidade assustadora que tem definido o nosso mercado de trabalho.

Os portugueses estão a fugir. Paremos de lutar contra o fenómeno da imigração; é a realidade da grande maioria dos países desenvolvidos e com economias pujantes. Que o saibamos enquadrar com a consciência certa do futuro.

É reconhecido por todos que enfrentamos uma crise demográfica, que resulta de um défice de natalidade associado à emigração. Combater este défice, a curto prazo, só pode ser feito com o aumento da imigração.

Estamos numa nova era, onde a globalização é cada vez mais uma realidade assente e temos a oportunidade não apenas de acolher, mas de integrar e evoluir com isso.

Em vez de olharmos a chegada dos imigrantes como uma ameaça é fundamental reconhecer a contribuição positiva que trazem para diversos setores da nossa economia.

Um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos procurou retratar os cargos e posições ocupados pela população imigrante, revelando a sua presença em setores como hotelaria, restauração e construção civil. Áreas onde os portugueses mostram cada vez menos interesse em trabalhar.

Obviamente, nem tudo é positivo e existem riscos associados, essencialmente os que podem colocar em causa a nossa segurança, mas cabe-nos estar atentos, com um controlo efetivo à entrada e políticas de integração nas diversas comunidades. E, a partir daí, retirar o melhor que a imigração e o crescimento demográfico nos podem proporcionar.

Implementar estratégias que promovam a aceitação, inclusão e participação ativa de imigrantes de diferentes origens contribui para o desenvolvimento socioeconómico. Mas é preciso saber adaptar essas políticas.

A promoção de políticas que facilitem a integração e valorizem os contributos dos imigrantes são passos essenciais para garantir não só a superação do défice demográfico, como também a construção de uma sociedade mais inclusiva e dinâmica.

É crucial promover Portugal não apenas como um local atrativo para trabalhar, mas também assegurar qualidade de vida e proporcionar que esses trabalhadores se façam acompanhar pelas suas famílias.

A solução passa por uma política migratória ativa, que compreenda as necessidades do mercado, recebendo de forma inclusiva e sem discriminação. Receber para viver e não sobreviver.

É fundamental que esta política seja estável, alheia às flutuações momentâneas que os ciclos migratórios proporcionam.

O paradigma tradicional, muitas vezes enraizado em preconceitos e visões limitadas, precisa de ser desafiado para abrirmos espaço a uma compreensão mais abrangente e atualizada desta realidade e das vantagens inerentes.

A presença de cidadãos estrangeiros implica mais do que isso; envolve a consciência de que contribuem para o progresso do país, com a capacidade de construir mais, trazendo vantagens para setores onde os portugueses mostram menos interesse e, sobretudo, disponibilidade.

Não estaremos a desvalorizar algo tão positivo que nos aconteceu?

Sem esta mão-de-obra de cidadãos estrangeiros que escolheram Portugal para trabalhar, preenchendo lacunas no mercado de trabalho que se estavam a acentuar, alguns setores da nossa economia já tinham colapsado.

É verdade que temos de valorizar e cuidar de um dos nossos maiores ativos: a segurança que vivemos nas ruas e a realidade tranquila em que convivemos. Mas é também fundamental assegurar o futuro.

Precisamos de investir em programas educacionais, facilitar a assimilação cultural e promover a inclusão. Estes são passos importantes para garantir que quem chega possa contribuir plenamente para a sociedade, maximizando os resultados para todos.

Analisemos agora três aspetos importantes: a necessidade, a burocracia e a adaptabilidade.

A nossa economia está intrinsecamente ligada à disponibilidade e diversidade da sua força de trabalho. Não há mão-de-obra portuguesa suficiente. É um facto.

Assim, fica claro que a necessidade de trabalhadores estrangeiros vai além de aprovar um simples requerimento, sendo um elemento crucial para o progresso económico e empresarial de Portugal. Estando claro que temos essa necessidade, passemos à burocracia associada.

Neste momento, temos a Agência Portuguesa para Minorias, Migrações e Asilo, que substituiu o extinto Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, voltado diretamente para os imigrantes, com a empatia de receber, a vontade de conhecer e proteger. Isso levou a uma enorme flexibilização das regras. Mas flexibilizar não é legislar. Legislar deve ser ajustar cuidadosamente a realidade às necessidades. Como?

Através de uma análise ponderada das vantagens e desvantagens, considerando o impacto no processo burocrático e os efeitos sobre a economia e a sociedade portuguesa. Implica também ter em consideração fatores negativos, como a perceção de que a entrada massiva de trabalhadores estrangeiros pode gerar competição no mercado de trabalho local, podendo afetar os salários e as condições laborais para os trabalhadores portugueses.

Caso seja feita uma flexibilização e não adaptação, corremos o risco de aumentar a pressão sobre os serviços públicos, principalmente na saúde e na educação, exigindo um planeamento adequado para garantir a capacidade de resposta a esta procura.

Um planeamento cuidadoso, acompanhado de políticas de integração sólidas, é essencial para maximizar os benefícios económicos e sociais, minimizando potenciais impactos adversos.

Por fim, mais do que receber, é ter a arte de bem receber. Este é um passo crucial, pois a harmonia social depende diretamente da maneira como quem chega se integra na sociedade portuguesa. O desafio reside em encontrar um equilíbrio entre segurança e integração.

Neste momento, um dos principais problemas em Portugal é a escassez de habitação. Esta questão desempenha um papel significativo na integração bem-sucedida. Assegurar que todos tenham acesso a condições dignas é essencial para evitar a formação de áreas marginalizadas. O que não está a acontecer de todo.

Importa assegurar que, ao lidarmos com esta questão, não comprometemos os valores fundamentais que nos caracterizam em Portugal: respeito e dignidade pela vida humana.

Paremos de ter medo da mudança; afastemos o pavor da desconfiança. Desmistifiquemos a imigração, cultivemos o propósito dela e, sobretudo, que haja políticas de integração ativas, conscientes, informadas e adaptadas a quem chega.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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