Tirando os fundos, o dinheirinho que vem de Bruxelas, para que nos serve a Europa da União Europeia? Num ano em que as eleições europeias não são uma primeira volta das legislativas (embora possam ser a segunda), podíamos, por uma vez, votar a pensar no que nos importa na União Europeia.
Estamos, em Portugal, longe do que mais preocupa aEuropa: a ameaça russa, a competição económica e ideológica com a China, a desconfiança em relação aos Estados Unidos e, mais importante, a necessidade de recuperar relevância económica e de ganhar importância na política internacional. Onde fica Portugal e os interesses portugueses no meio disso tudo?
Queremos fundos. E mais? O que nos importa nas relações com a China, a Rússia e os Estados Unidos? Alinhar com Washington, fazer de conta que está tudo bem na relação com Pequim e mostrar a Moscovo que não aceitamos uma Europa definida por Putin? Ou ser amistosos com a China, tensos com os Estados Unidos e dialogantes com a Rússia?
Queremos mais ou menos mercado interno? Com mais ou menos competição? Queremos liberdade para cada governo financiar as suas indústrias com o que tiver e como puder?
E interessa-nos mais ou menos comércio internacional? Fechar fronteiras, para proteger as nossas indústrias e empregos, ou abrir, para eventualmente exportar e continuar a consumir o que se importa barato? E o efeito disso nos empregos?
Excepcional e extraordinariamente, percebemos a ameaça que é a invasão russa da Ucrânia. Mas não sentimos a ameaça russa como os bálticos, os da europa central e de leste, e até os nórdicos, a sentem. Por isso, e sobretudo porque temos uma tradição atlântica, compreendemos o risco do afastamento entre Europa e Estados Unidos, mas não percebemos essa ameaça da mesma maneira que os países que contam com a promessa de defesa americana em caso de necessidade.
Temos uma estranha proximidade afectiva com o Médio Oriente, e em particular com as relações entre Israel e a Palestina, mas não vivemos os efeitos das guerras, das migrações, das tensões regionais, como vivem gregos, italianos, franceses ou mesmo espanhóis. Não somos dos Balcãs, não temos memória da importância estabilizadora da UE nos conflitos internos.
Não temos as fábricas alemãs que produziam com energia barata o que exportavam para a China. Nem somos os franceses, que vêem na crise energética e no seu nuclear uma possibilidade para as suas indústrias competirem com as alemãs. Competimos com os custos baixos da Europa Central e de Leste, mas não temos a mesma relação com a Alemanha. Podíamos querer produzir com energias renováveis baratas e exportar para o resto da Europa, mas teríamos de atrair investimento e investidores que confiassem no país.
Vemos as migrações, há quem as use para os debates nacionais, mas verdadeiramente não nos afectam da mesma forma. E as que começam a ter relevância em Portugal, pelo menos de forma visível, não chegam pelos circuitos que vêm de leste e do sul. Vêm de mais longe e não são, por regra, refugiados.
O que vem da Europa que nos importa?
Os fundos, já sabemos. E durante muitos anos interiorizámos a ideia de que se fossemos “bons alunos”, como elogiou o sr. Delors, seríamos recompensados em mais fundos. E fomos. Fizemos o que nos disseram, e gastámos o dinheiro como nos permitiram. Se foi mal, a culpa é maioritariamente nossa. E recentemente, por causa da pandemia, ainda recebemos mais. Que estamos a gastar. Bem ou mal, talvez não se saiba porque não é certo que haja um acompanhamento muito claro de como se usa o dinheiro em Portugal.
Mas, e sem ser os fundos, de que nos importa a Europa?
Durante anos, acreditámos que seríamos a ponte entre África e Brasil e a União Europeia. E somo-lo, com frequência. Se com sucesso e consequência, essa é outra questão. O Acordo Mercosul não avança, as nossas empresas não são as que tiram maior partido da cooperação e desenvolvimento com África, e os PALOPs não estão especialmente alinhados com a União Europeia na política internacional.
A Europa, a par do Fundo Monetário Internacional, serviu para nos resgatar quando mais ninguém nos emprestava dinheiro, e para emigrarmos para onde havia dinheiro e oportunidades, quando o país deixou de as ter. Mas não é suposto ser isso – poder emigrar ou voltar a ser resgatados - que sonhamos como projeto.
O dinheiro que vem da Europa é tão importante para Portugal que é o primeiro sítio para onde olhamos quando se fala do alargamento da União Europeia. Vamos ter de dividir o bolo com mais e mais pobres? Outra vez?
Claro que o mercado interno nos importa. Mais de 60% das nossas exportações e mais de 75% das nossas importações são com países da União Europeia. Com um saldo crescentemente negativo.
Que a União Europeia, o dinheiro, as regras e até o comércio que vai e vem de lá, são essenciais para Portugal, é óbvio. Mas a pergunta “para que nos serve a Europa?” vai mais longe. Temos noção do que queremos que a Europa seja, pensando no nosso interesse?
Alargar a União Europeia é do interesse de Portugal? Fazer acordos de comércio liberalizadores é do nosso interesse?
Em Junho, depois das legislativas de Março, podemos, por uma vez, votar a pensar no que queremos da União Europeia e no que nos oferecem. Temos uns meses para pensar nisso. Se quisermos.