Um país não é um clube, nem um partido, nem um produto, nem uma empresa, nem sequer uma cidade. Não se muda uma imagem sólida e que funciona porque sim
Começo com um disclaimer: tenho grande apreço pelo trabalho do designer Eduardo Aires, sobre o qual já escrevi, inclusivamente, aqui. A sua consistência, qualidade, inteligência e sentido pragmático enquanto designer de comunicação são exemplares e fazem-nos orgulhar a todos. Alguns desses trabalhos impactam de forma vincada parte do espaço público e a componente simbólica e comunicativa nacional, como o caso do bem-sucedido logótipo do Porto. Mas não posso deixar de reagir a esta sua proposta para uma nova imagem gráfica de Portugal.
Há uma máxima em design que nos diz algo muito simples: a sua própria existência deve-se à identificação de uma necessidade. Os designers, na maioria dos casos, criam soluções para responderem a determinados problemas, servem encomendas e clientes, a não ser quando são eles próprios os motores de projectos de pesquisa ou experimentais. Se há actividade em que o cliente conta e muito é a do design. Houve um cliente aqui e alguém definiu um briefing.
Por isso, a primeira questão é: que necessidade havia de mudar o logótipo existente, que nos representava a todos tão bem? Havia algum desconforto? Alguém se queixava? A imagem provava não funcionar? Onde? Porquê? Desde quando? A segunda é sobre o que gerou a resposta que o Eduardo deu ao cliente que lhe pediu para mudar a imagem do Governo da República Portuguesa. O briefing apresentado ao designer é, ao que se sabe, extraordinário. Parece que a imagem existente não seria suficientemente “ecológica, inclusiva e plural” nem tão “sofisticada e dinâmica” como deveria ser.
Perdão?
Um país não é um clube, nem um partido, nem um produto, nem uma empresa, nem sequer uma cidade. É um todo muito mais complexo e não se muda uma imagem sólida e que funciona porque sim. Pode ser actualizada, mas não foi isso o que foi feito. Foi criada uma necessidade que não existia. Foi enviado um briefing que envergonha a imagem que usávamos. E o resultado, ainda por cima, fica aquém do que tínhamos. Este novo logótipo que decretaram representar o nosso país, sem nos perguntar, não respeita a história de um dos mais antigos países da Europa. Esta nova imagem não tem espessura, corre na espuma do tempo e das linguagens leves destes dias rápidos e de grandes erros e precipitações. Não tem identidade, poderia representar qualquer coisa. Removeu-se tudo o que de mais diferenciador tínhamos, deixaram-nos com três cores e três formas geométricas, uma sequência de abstracções. É superficial e decorativa.
Como se Portugal tivesse sido fundado ontem.
Como se Portugal fosse só um hoje, sem passado e, consequentemente, sem futuro.
Sinceramente.
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