Negociações climáticas: a fachada que cobre acordos nos bastidores
A cimeira climática mais importante do mundo está envolta num escândalo de hipocrisia, depois de terem vindo a público documentos sobre como os EAU planearam utilizar a sua posição como país anfitrião da COP28 das negociações climáticas da ONU para discutir acordos de petróleo e gás com quase 30 países, nomeadamente Alemanha, Moçambique, Canadá, Austrália, Egipto e China.
Apesar de o olhar da comunidade global estar fixado nestes líderes - esperando que os mesmos incorporem a essência da integridade num tema tão importante para o planeta, livres de preconceitos e de ganhos nacionais ou pessoais - a verdade é que a corrupção e a hipocrisia são um caminho que representa a traição à confiança depositada nos líderes mundiais e um total fracasso no dever para com o planeta e para com as gerações futuras.
Para combater as alterações climáticas, esperava-se que o controlo da utilização de combustíveis fósseis e das emissões de carbono estivessem no topo da agenda da COP28, mas será esse o caminho aceite por Ahmed al-Jaber, CEO de uma petrolífera e ao mesmo tempo presidente da cimeira?
Em 2009, os países desenvolvidos comprometeram-se a doar 100 mil milhões de dólares por ano aos países em desenvolvimento para que estes conseguissem reduzir as emissões e para se prepararem para o futuro das alterações climáticas.
No entanto, a meta nunca foi alcançada.
Nem mesmo em 2022, na COP27, quando os líderes mundiais chegaram a acordo para apoiar as nações em desenvolvimento e ajudá-las a gerir os efeitos negativos das alterações climáticas.
Infelizmente nunca houve consenso relativamente a dois importantes tópicos: quais as nações que ajudariam a suportar os custos e quanto é que seria atribuído a cada nação.
Fica no ar a questão: irão os países mais ricos pagar pelas alterações climáticas?
Lobbies sem conflitos
O escândalo que assolou a edição 28 da mais importante cimeira climática do planeta é, sem dúvida, a prova viva de que ainda existem lobbies sem conflitos – que o diga Ahmed al-Jaber.
Como é que o dono de uma empresa de petróleo e gás consegue chegar ao núcleo de uma cimeira climática, organizada e encarregada de coordenar a eliminação progressiva do petróleo e do gás?
Perde-se, claramente, a credibilidade quando existe maior preocupação em proteger os lucros e a influência das empresas de combustíveis fósseis do que em prevenir desastres climáticos.
Apesar de, em abril passado, Al-Jaber ter defendido que os seus laços comerciais seriam uma vantagem para garantir que o setor privado tomasse as medidas necessárias em relação à crise climática, a verdade é que a presidência da COP28 é uma fusão de interesses económicos de um país fóssil como são os EAU.
“Soluções” que alimentam a crise: fará a COP28 alguma diferença?
Para além das tentativas de progresso em direção a diversos objetivos, nomeadamente:
- Aceleração da mudança para fontes limpas, reduzindo as emissões de gases com efeito de estufa
- Distribuição de fundos pelos países mais ricos a países mais pobres
- Foco na natureza e nas pessoas
Ahmed al-Jaber garante a gigantes ricos em petróleo - como é o caso da Arábia Saudita e Venezuela - que não existem quaisquer conflitos entre o desenvolvimento sustentável dos recursos naturais de qualquer país e o seu compromisso com as alterações climáticas.
As cimeiras acabam por ser palco da chamada “lavagem verde”, em que países e empresas promovem as suas preocupações climáticas sem, no fundo, fazerem as mudanças que tanto apregoam.
É muito provável que haja desacordo sobre o futuro dos combustíveis fósseis, nomeadamente entre os maiores produtores de petróleo - como os Estados Unidos da América (EUA), China, Arábia Saudita, Rússia, Canadá, EAU, Irão, Kuwait – e entre os maiores produtores de gás – como os EUA, Rússia, Irão, Canadá, Argélia, Qatar, China, Arábia Saudita, EAU...
E claro, os maiores consumidores de petróleo e de gás do mundo também não vão ficar sentados a ver e a aceitar uma redução progressiva da sua utilização, muito menos uma eliminação dos mesmos.
O futuro fica, assim, entregue ao dinheiro e ao poder e, “até que os governos mundiais aceitem que os combustíveis fósseis precisam de ser deixados no solo e os seus lobistas já não possam redigir as regras da ação climática, tudo isto continuará a acontecer”.
Não restam, por isso, dúvidas sobre o porquê de esta ser uma Flop28.