As ONGA ANP|WWF, Sciaena, SPEA e ZERO naturalmente reconhecem a importância do desenvolvimento da energia renovável offshore para alavancar a transição energética europeia, garantindo a descarbonização da economia e contribuindo para os objetivos climáticos e de independência energética da UE. A crise climática é potencialmente o maior desafio das nossas vidas e não podem restar dúvidas sobre a pertinência e urgência no combate aos seus piores efeitos. Ainda na semana passada, um relatório da ONU revelou que os atuais compromissos feitos pelos países para reduzir as emissões colocam-nos a caminho dos 3ºC de aquecimento até ao fim do século, o dobro do acordado pelo já ambicioso Acordo de Paris.
É igualmente fundamental que este desenvolvimento se proceda a par com o respeito pela conservação da natureza, de forma a cumprir os compromissos assumidos para travar a perda de biodiversidade e de acordo com as capacidades ecológicas dos ecossistemas. As crises climática, energética e da biodiversidade estão intrinsecamente ligadas e não podem ser consideradas de forma isolada. O oceano é o maior agente regulador dos efeitos das emissões de gases com efeito de estufa, absorvendo cerca de 90% do calor adicional associado ao aquecimento global. Há, portanto, uma ligação estreita e indivisível entre o clima e o oceano que não pode nem deve ser descurada, sobretudo porque um oceano saudável é o nosso maior aliado no combate às alterações climáticas. Nesse sentido, combater a crise climática enfraquecendo a saúde ecológica do oceano seria contraproducente.
Os acontecimentos recentes em Portugal que envolvem a exploração de lítio e a produção de hidrogénio lançaram uma sombra de preocupação e desconfiança sobre os esforços para promover a transição energética no país. É preocupante que a procura por ganhos financeiros consideráveis e potenciais práticas ilegais desviem os esforços e a atenção do mais importante: a necessidade de uma descarbonização ambiental e socialmente justa.
A confiança nas instituições públicas que devem guiar, fiscalizar e monitorizar continuada e articuladamente todos estes processos também acaba por sair abalada, o que é problemático numa altura em que todos os esforços não são suficientes. Num cenário de crise climática, a transparência e a responsabilização tornam-se ainda mais cruciais, sendo essenciais para assegurar que os recursos naturais são explorados de forma sustentável e as comunidades afetadas devidamente consideradas.
No que toca ao licenciamento destes novos projetos, é preocupante que a Comissão Europeia tenha avançado com a proposta de considerar estes projetos como “superior interesse público”, criando uma espécie de “via-rápida” ambiental de enfraquecimento legislativo para a implantação do sector. Esta premissa é inaceitável, já que todos os projetos e estruturas devem ser alvo de uma avaliação de impacto ambiental rigorosa, que abranja todas as fases do ciclo de vida do projeto.
Também neste campo, deve assegurar-se que todos tenham voz. É necessário o envolvimento dos diferentes stakeholders em todo o processo – algo que, até ao momento, tem sido feito de forma deficiente.
E é preciso mais. É preciso aprender com a experiência dos países onde a indústria já está implantada e levar o tempo necessário para desenvolver o processo, fazendo um esforço no seu desenho. Atalhar caminho terá custos elevados no futuro.
É preciso salvaguardar as áreas ecologicamente sensíveis, definir planos de monitorização e mitigação de impactos, incorporar critérios ecológicos e sociais nos procedimentos concorrenciais que aí virão; e fazê-lo garantindo a transparência de processos de forma exemplar.
O desenvolvimento das energias renováveis deve progredir com respeito pela conservação da natureza e de acordo com as capacidades ecológicas dos ecossistemas, de forma a providenciar soluções sustentáveis e realmente efetivas para combater a crise ecológica que a todos afeta.
Portugal tem a responsabilidade transnacional de proteger o mar que o define e de alinhar a sua estratégia e ambição quanto às metas climáticas com os compromissos assumidos na proteção da biodiversidade marinha. Tem, claro, que o fazer de forma transparente e participativa. O sucesso da transição energética em Portugal, e em todo o mundo, depende de ações éticas e comprometidas que permitam alcançar o bem comum, em vez de prioridades individuais de curto prazo.
Não precisamos apenas de energia renovável; também precisamos de um oceano produtivo, biodiverso e saudável – e a transição energética não se pode fazer agravando o declínio da biodiversidade, degradação dos ecossistemas e das suas funções ecológicas, que tanto ameaçam o nosso futuro coletivo.
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