O tema da guerra entre Israel e o Hamas tem sido declinado de inúmeras formas. Hoje vou tentar concentrar-me nos seus efeitos politico-psicológicos nos países com regimes democrático-liberais, onde a opinião pública tem existência autónoma e plural.
Por razões muito diversas, que aqui não teria tempo nem espaço para detalhar, os conflitos em que Israel e/ou o Povo Judeu estão envolvidos têm uma carga emocional e uma intensidade psicológica que supera quaisquer outros semelhantes.
A sensação que tenho, vendo daqui, é que existe um generalizado apriorismo muito negativo contra Israel, não apenas no mundo dos ativistas radicais de esquerda, que tendem a ocupar as ruas, e na emigração de origem muçulmana, o que não surpreende, mas para além desses grupos.
HARVARD E COSGRAVE: TODA A CULPA É DE ISRAEL?
Esta realidade é bem patente, por exemplo, nas universidades norte-americanas e nas elites liberais (no sentido dos EUA), ou seja, na esquerda do Partido Democrático, nos “media”, e em certos setores empresariais que têm nos mais jovens o seu “fonds de commerce”.
Um exemplo, entre muitos: a Universidade de Harvard é talvez a mais elitista entre as da elitista Ivy League.
No dia seguinte aos atos terroristas do Hamas, a “Harvard Graduate Students for Palestine” e o “Palestine Solidarity Committee”, publicaram um comunicado afirmando que “we, the undersigned student organizations, hold the Israeli regime entirely responsible for all unfolding violence”. Cerca de 30 outras associações de estudantes de Harvard aderiram a esse texto.
No dia 13 de outubro, Paddy Cosgrave, responsável do WEB Summit, publicou um post no X (antigo Twitter) em que afirmava “estou chocado com a retórica e as ações de tantos líderes e governos ocidentais (…) Crimes de guerra são crimes de guerra, mesmo quando são cometidos por aliados, e devem ser nomeados enquanto tal.”
Antes – sempre sem uma palavra crítica ao Hamas – publicara no próprio dia 7 de outubro um outro post (depois apagado) em que comparava o número de mortes de ambos os lados do conflito israelo-palestiniano na última década e meia.
É verdade que devido ao escândalo e às reações, muitos subscritores do comunicado de Harvard retiraram a adesão.
E é verdade que Paddy Cosgrave – confrontado com críticas e abandono de patrocinadores e oradores no Web Summit - veio escrever no Twitter em 15 de outubro que “o que o Hamas fez foi chocante e repugnante. É um ato de mal monstruoso” e pediu “desculpas profundas” a “quem ficou magoado”.
Ana Sá Lopes, no Público de domingo, num artigo a que chamou “Olha, cancelaram o Paddy Cosgrave!”, disse que ele “veio ridiculamente pedir desculpas, depois do anúncio do boicote de Israel à Web Summit”, devido a ter dito “umas coisas sobre Israel que aquela entidade chamada ‘Ocidente’, ou, melhor, empresas ocidentais, achou que não podiam ser ditas”.
No mesmo sentido, David Pontes, Diretor do Público, no seu editorial nesse dia, pede “Liberdade para Paddy Cosgrave”, que afirma ser vítima do “pouco amor à liberdade de expressão” de empresas como a Amazon, a Google, a Meta ou a Intel, por se afastarem do Web Summit por discordarem que Cosgrave tenha escrito o que Pontes considera “uma evidência”.
São este tipo de factos que merecem análise, o que passarei a fazer.
HAMAS A GANHAR A BATALHA DA COMUNICAÇÃO?
O que mais me interessa aqui é constatar que isto prova que o Hamas está a ganhar a batalha da comunicação, pelo menos em ambientes que são hostis a Israel, em maior ou menor grau. Vivemos em sociedades pluralistas na União Europeia, Reino Unido, Canadá e EUA (e felizmente em mais alguns outros países) e por isso está claramente assegurado, e bem, o direito a defender essa posição.
Mas é curioso o que em todos os exemplos há de comum e provocou reação: a inexistência de uma referência crítica, sequer mínima, ao que fez o Hamas ou até a opção por se considerar que a culpa de tudo o que aconteceu feito pelo Hamas em 7 de outubro é
exclusivamente de Israel.
Por isso, não são platitudes ou “evidências” o que (não) escreveu Cosgrave e não me parece “rídiculo” que tenha achado que devia pedir desculpas.
Mas, e isso é uma verdadeira “evidência”, não está em causa a liberdade de expressão de Cosgrave (incluindo o seu direito a anunciar “não ceder” e começar por recusar pedir desculpas), assim como ele não foi “cancelado”.
É verdade que houve quem se tenha sentido ofendido. Mas não vi o habitual da “cancel culture”: Cosgrave não foi agredido, impedido de se exprimir, interrompido por grupos que lhe negassem o direito de defender os seus pontos de vista, ou que o Web Summit fosse proibido.
Ou seja, quem não gostou do que o dono do Web Summit disse ou não disse, apenas exerceu a sua própria liberdade de expressão e o seu direito de não querer colaborar com o negócio de Cosgrave. O que me parece inadequado – e isso sim, seria limitar a liberdade de expressão e uma forma de coação – é que quem discorda do que disse e não disse Cosgrave fosse obrigado a calar-se e a continuar a ajudar o seu negócio para evitar os danos reputacionais dos ataques e críticas de que foram imediatamente alvo, não sendo pouco acusar empresas de comunicação tecnológica de atacar a liberdade de expressão.
E há mais, que infelizmente não é realçado. Cosgrave, como qualquer empresário, preocupa-se com o sucesso do seu negócio e com os lucros que dele resultam. É legítimo e nada tem de censurável. Cosgrave fez uma análise custo/benefício quando disse o que disse ou não disse: o seu mercado alvo são as elites jovens muito anti-Israel.
Confrontado com as reações, de novo como notável empresário que é, fez outra análise custo/benefício e apesar de poder fazer o Web Summit sem os descontentes (aliás afirmara há uma semana estar a “ser inundado de mensagens de apoio de Israel e de todo o mundo” e que apesar da controvérsia a “venda de bilhetes atingiu recordes” e, de modo perentório, disse que “não vou ceder”) optou por se afastar.
Por isso é um sinal dos tempos que justificou este comentário a inversão curiosa do que o sentido comum das coisas deveria sugerir que prevalecesse.
IUC: RASPADINHA SEM PRÉMIO
Há duas semanas alertei aqui com espanto para a decisão na Proposta de Orçamento de Estado de colocar os mais pobres e necessitados a pagar a redução das portagens para o interior com o aumento do IUC para carros anteriores a 2007.
Os mais atentos dos telespectadores, ou com melhor memória, lembrar-se-ão que chamei a esta medida uma nova “raspadinha”, mas sem prémio.
E disse então que já não me admirava da resignação proverbial dos portugueses, pois em França já estariam ocupadas as rotundas por todo o País.
Felizmente – viva a Cidadania! – os portugueses não se resignaram, mas não partiram tudo nem sequer foram estragar com tinta o fato de Medina: De imediato foi lançada uma Petição Pública que já foi assinada por mais de 335 000 pessoas.
A decisão do Governo é um disparate, e resulta de um desejo de agradar a ambientalistas urbanos – eleitorado essencial para o PS – sem ponderarem que há entre 2 e 3 milhões de carros anteriores a 2007 a circular e que não são os mais ricos que os conduzem.
O disparate é reforçado pelo facto de 50% dos carros do Estado serem anteriores a 2007; o Governo – se preocupado com o ambiente – já os deveria ter abatido, ou ao menos anunciar que o ia fazer até ao final do ano. Razão para dizer, ao contrário do provérbio: “Prega Frei Tomás, não faças o que ele diz, faz o que ele faz”.
Estamos, pois, no plano da pura demagogia, que se alinha com a dos delinquentes juvenis que cometem crimes com o pretexto ou a ilusão de afirmar objetivos ambientais inalcançáveis.
Veja-se então, como exemplo, o caso da produção de eletricidade no Mundo: em 2022, a maior fonte para a sua produção é o carvão (35,4% e com aumento em relação a 2021), seguido do gás natural com 22,7% e também a aumentar.
Quem não esteja aqui para fazer demagogia devia ter a coragem de afirmar que se o Mundo vai acabar em breve, como anunciam os mais radicais, não será por causa dos carros portugueses anteriores a 2007, mas pela incapacidade de comunidade internacional em proibir o carvão como fonte energética.
Claro, como com fino sentido de humor sugeriu Ricardo Araújo Pereira, estes “heróis” da causa ambiental poderão contar daqui a décadas aos netos que fizeram isto para evitar o eminente fim do Mundo, e que estão muito orgulhosos, apesar de não terem conseguido sucesso.
A AGORAFOBIA EM PORTUGAL
Ricardo Reis é, aos 38 anos, professor catedrático da London School of Economics. É também colunista do Expresso e várias vezes sugeri a leitura dos seus textos, que considero de leitura obrigatória.
Ele deu há dias uma entrevista ao ECO onde refere – estamos de acordo – que o Orçamento do Estado proposto pelo Governo para 2024 é um dos melhores dos que foram apresentados nos últimos oito anos por António Costa, mas afirma que “é exasperante a forma como, consecutivamente, eleição atrás da eleição, nos últimos anos, elegemos um Governo que promete não mudar nada, que promete não reformar nada”.
A perplexidade de Reis é retórica, pois na entrevista refere a explicação: “parece que a maioria absoluta dos portugueses escolhe este caminho e, portanto, dentro dessa restrição, muito importante em democracia, o Governo está a corresponder ao que os portugueses querem”.
Ao ler a entrevista, nem de propósito, lembrei-me de imediato de um texto de Miguel Tamen (Professor Catedrático da Faculdade de Letras da UL), com quem falo muitas vezes - registo de interesses, somos cunhados – e que semanalmente nos brinda no Observador com artigos que também considero de leitura obrigatória.
Este domingo o artigo de Tamen tinha o título “Medo de ter medo”, que é uma excelente resposta para o que exaspera Reis. Segundo ele, “temos medo da ideia de termos medo; e assim causamos o nosso próprio medo” e “essa será a forma de susto mais séria e mais
perigosa”.
O Governo do PS não exprime a banalidade do mal como desejo de que Portugal continue a caminhar para a cauda da Europa. Mais prosaicamente, percebeu que os portugueses têm medo de mudanças, de reformas, de riscos, de apostar (exceção é a “raspadinha”). Ou seja, como povo, temos medo de ter medo e assim não queremos nada com quem não se resigne à nossa resignação.
É como se fossemos um povo com generalizada Agorafobia, ou seja, com medo de situações percecionadas como inseguras ou das quais é difícil escapar. Dão-se em regra como exemplo, o medo de espaços abertos, tráfego rodoviário, centros comerciais, e esse medo pode mesmo provocar a recusa de sair da residência.
Mas em Portugal somos originais: a nossa agorafobia não nos afasta de praias e passadiços, de centros comerciais, nem de usar automóveis por tudo e por nada.
Nós temos medo, mas não ficamos em casa, saímos da residência para emigrar. Só que se o não fizermos, o medo do medo leva-nos a votar em quem nos garanta que nada muda, que nada se reforma. A cura? Só imagino uma: quando a Bulgária nos ultrapassar e cairmos mesmo para a cauda da Europa, ocorrer um sobressalto que nos tire da modorra da proteção. Mas não tenho a certeza que venha a ser assim…
O ELOGIO
Mea culpa, nunca ouvira falar do Professor Óscar Afonso, diretor da Faculdade de Economia do Porto, antes de ler a entrevista que deu ao Público, ontem. Ele é próximo do PSD e fez parte da equipa que elaborou a proposta de baixa de impostos do partido líder da oposição.
Merece leitura o que disse sobre centralismo, carga fiscal, pior crescimento do que os nossos concorrentes (“A nossa economia é um Fiat 500 que compara com um Mercedes 220. O Fiat 500 em alguns momentos pode ultrapassar o Mercedes 220, numa descida ou se o Mercedes furar um pneu”).
Fiquemos atentos ao que diga e faça.
LER É O MELHOR REMÉDIO
Hoje sugiro livros para quem queira perceber melhor o conflito Hamas-Israel.