O jornal Expresso de 13 de outubro publicou um artigo sobre o investimento em I&D com uma análise de Maria Lurdes Rodrigues e Jorge Costa que induz a erros que importam clarificar. Considera apenas as dotações orçamentais iniciais dos fundos nacionais e não o total dos fundos públicos, que incluem os nacionais e os comunitários.
Claro que urge aumentar o investimento público e a análise é oportuna em tempos de discussão do Orçamento do Estado, mas para ser consequente tem sempre de ter em conta a evolução da despesa executada por instituições públicas e privadas, incluindo naturalmente os fundos comunitários, assim como a análise do contexto orçamental face ao esforço coletivo a que todos nos submetemos na ultima década de redução da dívida pública.
A figura seguinte ilustra a evolução efetiva da despesa total em I&D nas últimas quatro décadas, representando agora 1,7% do produto interno bruto (PIB) e, portanto, ainda aquém da meta europeia de 3% aprovada por Portugal[i], mas mostrando um aumento consecutivo desde 2016. A figura ilustra ainda a evolução das componentes da despesa das instituições públicas e privadas, que em 2021 representavam respetivamente 0,64% e 1,0% do PIB.
Ambas as despesas, das instituições públicas e privadas, devem duplicar até 2030 para que Portugal atinja os compromissos europeus, mas esse desafio exige compreender a evolução dos últimos anos e o esforço político em consagrar uma efetiva convergência com a Europa do conhecimento, incluindo o aumento do investimento europeu em Portugal.
Todas as fontes de financiamento, nacional e europeu, de acordo com as normas da Ocde e Eurostat e como usado pela DGEEC ( estatísticas nacionais)
Os dados mostram a tendência de crescimento verificada desde 2016 e após a crise financeira de 2010-2015, confirmando o reforço do processo de convergência com a Europa nos últimos anos à semelhança do período entre 2005 e 2010. Portugal é o 3º Estado-Membro em que o peso da despesa em I&D no PIB mais cresce e o 2º em que a despesa absoluta em milhões de euros apresenta uma taxa de crescimento mais elevada.
De notar que o crescimento da despesa em I&D nos últimos anos é particularmente expressivo no sector das empresas, tendo crescido cerca de 108% desde 2015. Foi, assim, claro o impacto das políticas públicas de estímulo à I&D nas empresas, designadamente no crescimento da balança da pagamentos tecnológica. Esta balança começa a ser significativamente positiva desde 2017, juntamente com o aumento significativo de exportações de bens e serviços de maior valor acrescentado, tendo estado relativamente equilibrada entre 2007 e 2016, mas sendo estruturalmente e fortemente negativa até 2005[ii].
A despesa das instituições públicas tem crescido ao nível do PIB e mantem-se inferior a 0,7% do PIB. Como resultado do esforço coletivo em reduzir a dívida pública (que passou efetivamente de cerca de 140% para 100% do PIB), exige compreender que o financiamento público tem sido caracterizado por uma complexidade crescente (incluindo das instituições de ensino superior e da própria Fundação para a Ciência e Tecnologia – FCT). Reúne sobretudo fundos públicos das receitas de impostos (aproximadamente dois terços, no caso do orçamento da FCT) e fundos comunitários, incluindo financiamento do Fundo Social Europeu - FSE (no apoio à formação inicial e avançada e ao emprego qualificado) e do FEDER (designadamente para projetos e infraestruturas de I&D, assim como instituições e emprego científico), em proporções que dependem do contexto regional e das regras para a execução desses fundos.
A ação política a nível nacional para o planeamento, negociação e concretização destes vários tipos de financiamento foi e será sempre determinante na construção do orçamento e do financiamento ao sistema académico, científico e de inovação em Portugal.
Mas os dados mostram também claramente o desafio de continuar a aumentar o “volume” da despesa em I&D em função do PIB, mas também a “intensidade” dessa despesa por investigador num panorama de 2030. Exige o desafio de continuar a aumentar o nível da riqueza produzida, através do aumento continuado da balança de pagamentos tecnológica (i.e., as exportações de maior valor acrescentado).
Exige ainda progressos no sentido de melhorar a qualidade do emprego e dos níveis salariais nos setores público e privado, bem como melhorar os percursos profissionais de investigação, incluindo o reforço das carreiras de investigação, juntamente com as carreiras técnicas de apoio à investigação. E isto deverá considerar a promoção de novas formas de financiamento institucional para promover a qualidade dos empregos de investigação e inovação em toda a Europa, juntamente com a circulação adequada de talentos.
Já ninguém duvida que sem conhecimento não há progresso, nem uma vida melhor. E que sem ciência nem sequer seria possível separar a verdade da mentira. Mas também ninguém duvida que o nível de acumulação do conhecimento científico e tecnológico é muito diversificado nas nossas sociedades, que estão hoje expostas a níveis crescentes de desigualdade social. E, portanto, também afetadas por uma capacidade muito distinta de separar a verdade da mentira.
A história de Portugal ilustra como a Europa pode emergir de tempos críticos, criando as condições que fortalecem um sistema diversificado de infraestruturas, instituições e incentivos para promover a mudança através da cooperação internacional baseada no conhecimento.