Opinião

Os contra-reformistas

Não só é verdade que os dirigentes políticos são manifestamente avessos a iniciar processos de mudança como frequentemente os fazem regredir quando se encontram em curso e com provas dadas de sucesso. É o que se está a passar com a Reforma da Administração Local

A sociedade civil reclama com frequência a realização de reformas estruturais, criticando o imobilismo dos partidos do arco da governação. E tem razão. Não só é verdade que os dirigentes políticos são manifestamente avessos a iniciar processos de mudança como frequentemente os fazem regredir quando se encontram em curso e com provas dadas de sucesso.

É o que se está a passar com a Reforma da Administração Local (RAL).

Em vésperas de eleições autárquicas, paira uma ameaça de retrocesso com a finalidade de satisfazer os oportunismos políticos dos pequenos interesses locais. Afinal, o PS não se pode dar ao luxo de perder eleições um ano antes das legislativas que testarão finalmente a sua maioria absoluta.

Na sequência da intervenção da troika, uma história que já cansa repetir, o memorando de entendimento assinado pelo governo socialista vinculou os executivos seguintes a procederem a uma redução do número de autarquias locais.

Coube ao XIX Governo Constitucional, de que fiz parte, executar essas medidas, não como uma política cega de cortes, como fora negociada naquela circunstância, mas no âmbito de uma reforma da administração local em todo o seu universo: dos órgãos políticos ao sector empresarial.

Não se tratou simplesmente de reduzir custos com a administração local, mas de ganhar escala através da agregação de freguesias e do reforço da sua capacidade de intervenção e de reinvindicação política, promovendo uma maior proximidade aos cidadãos, fomentando a descentralização administrativa e reforçando o papel do poder local como vector de desenvolvimento, valorizou-se a eficiência na gestão e afetação dos recursos públicos, potenciaram-se economias de escala, melhorou-se a prestação do serviço público, reforçou-se a coesão e a competitividade territorial.

Apesar de inúmeras dificuldades e resistências, contando com o sentido de responsabilidade dos autarcas portugueses tornou-se possível proceder à agregação de 1.168 freguesias, passando das então 4.258 para 3.091 freguesias, e ainda reduzir para cerca de metade as empresas municipais ou locais.

Foi assim possível demonstrar a capacidade de realizar reformas mesmo que em circunstâncias especialmente adversas.

O que se está a passar agora? Exatamante o oposto.

Dominados pela inércia, parece que os dois maiores partidos se preparam para reverter cerca de 182 processos de união de freguesias, ou seja, após uma década de bom funcionamento da reforma, PS e PSD aparentam unir-se numa bizarra aliança contra-reformista.

Estranhei, a princípio, que não tencionassem proceder à reversão completa da RAL, mas rapidamente se compreende: seria mais difícil – e mais óbvio – do que um corte à medida, dado o enraizamento do modelo político-administrativo em vigor. Dito de outro modo: nem a reverter se tem coragem.

É antes um retrocesso sem outra razão que não calculismo e sem outro efeito que não prejudicar os portugueses. Cidadãos que vivem no interior do território e que perderão a escala e a capacidade de atração gerada pela reforma.

A sua reversão representa uma autêntica contra-reforma mas, mais do que isso, simboliza na perfeição o espírito conservador dos dois maiores partidos na sua atual encarnação.

Até quando?

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