Opinião

Duarte Cordeiro - 10; Ativismo - 0

Duarte Cordeiro - 10; Ativismo - 0

Henrique Monteiro

Ex-Diretor; Colaborador

Podemos interrogar-nos qual a legitimidade de umas jovens para interromper uma iniciativa legal e pacífica, onde um ministro expunha o seu pensamento e que, (não) por acaso, estava a ser transmitida na televisão?

Existe uma nova profissão que se chama ‘ativismo’. Pelo menos, aparecem uns jovens (alguns nem tanto) nas televisões que têm como profissão ‘ativista’. Foram algumas destas profissionais que atacaram ontem de manhã o ministro do Ambiente Duarte Cordeiro com tinta verde. O que ficámos a saber depois do ataque? Duas coisas; uma que o ministro tem mais classe do que pensávamos; outra, que estas ativistas são mais burras do que se pensaria, e que, provavelmente, se podem chamar desordeiras.

O ministro, ao levar a primeira ‘bola’ de tinta (julgo ter percebido que era uma bola de tinta), desviou-se, pediu desculpa ao entrevistador e levantou-se do seu lugar. As ativistas (seriam três, quatro, talvez mais uma ou menos uma), continuaram a gritar – já todos devem ter visto – e a atirar tinta verde, até que as ‘tenebrosas’ forças da autoridade, a começar por um oficial da GNR, seguraram nos braços das jovens e começaram a retirá-las da sala. Segundo informa a TVI, ou CNN Portugal, que organizava a conferência, as ”ativistas foram identificadas pelas autoridades”.

Como todos sabem de que falo (deve ser dos vídeos mais reproduzidos), permitam-me algumas reflexões. Vi este vídeo quando acabara de ler um excelente texto de Pedro Norton (no ‘Público’) sobre as características do extremismos; citando o grande Roger Scruton, conservador liberal, concordava que o ressentimento social era a base da incapacidade do compromisso e a ponte entre os extremos da direita e da esquerda. Não entrarei no tema da equivalência, ou não, destes extremos, coisa que Norton faz com elegância e talvez demasiada benevolência para certa esquerda, mas permitam-me que, embora possa divergir levemente de Scruton, diga que mais do que o ressentimento, se trata de qualquer ação ditada pela mera paixão e sem qualquer racional. Poderia acreditar no que o Chega diz sobre a imigração ser fruto de redes ilegais de traficantes humanos, se não raciocinasse um pouco. Se essas redes existem (e existem, sem dúvida) é justamente porque há um problema: o de milhares de pessoas do Sul, seja África, América Latina ou zonas da Ásia, quererem emigrar para locais que lhes parecem melhores para as suas vidas. Só essa vontade, ou mesmo necessidade em milhões de casos, pode tornar viável uma rede passadores ilegais. O problema continua a ser o que fazer com os imigrantes e não centrarmo-nos nas redes.

Do mesmo modo, na questão climática, o problema afetas todos. Dizer que a EDP e a GALP não querem saber disso, como berraram as ativistas, é ilógico. Porque se o problema existe é natural que as empresas que trabalham com energia queiram mesmo saber do problema. Já os célebres ativistas, tirando colar-se a obras de arte, atirar tinta, fazer ‘greves climáticas’ e coisas inúteis na resolução do problema, não me parece que contribuam de forma positiva para o problema.

E depois há a questão política. Uma das presentes (espero que tenha sido identificada para poder ter aulas de democracia e de cidadania que tanto reclamam para outros) gritou que o ministro não tem “legitimidade social para falar sobre crise climática”. Por acaso ‘legitimidade social’ é uma expressão engraçada, porque se alguém tem legitimidade política, social e de toda a ordem para falar de crises, sejam elas climáticas ou não, é um membro do Governo deste país. Goste-se ou não de Duarte Cordeiro, é ele que deve propor ao país e desenvolver as medidas necessárias aos desafios que o clima nos coloca.

Por último, podemos interrogar-nos qual a legitimidade de umas jovens para interromper uma iniciativa legal e pacífica, onde um ministro expunha o seu pensamento e que, (não) por acaso, estava a ser transmitida na televisão? Se querem fama e aparecer na TV, têm vários modos de o fazer, como concursos e telenovelas, sem estragar o fato de um ministro.

Mas voltemos a Duarte Cordeiro para dizer que foi, em primeiro lugar, o seu comportamento sereno que derrotou a berraria. Que pensarão hoje as moças que lhe arremessaram tinta? Que fizeram bem? Que são umas heroínas do clima? Pois permitam-me dizer-lhes que temo bem que a maioria dos que viram a cena me acompanhem a dizer que foram, pura e simplesmente burras. Conseguiram aumentar a simpatia pelo ministro e pelas empresas que patrocinavam o evento; deram muita audiência à CNN e não lucraram nada. Levaram o que em futebol se diz uma tareia das grandes. Tanto, que alguém com um raciocínio tortuoso poderia pensar que foram contratadas pelo ministro; ou pela CNN; ou pelos patrocinadores, EDP e GALP.

Um último e não despiciendo ponto: há dias, uns desordeiros interromperam o lançamento de um livro infantil com linguagem chamada inclusiva (não gosto da junção destas palavras, porque é pretensiosa). Foram ordinários e saíram da sala expulsos depois de dizerem umas boçalidades. Várias pessoas, até o Presidente da Assembleia da República, se referiram ao facto para (e bem) condená-lo, como, aliás, voltou a fazê-lo. Na verdade, do ponto de vista democrático e da liberdade e tolerância das nossas leis, os desordeiros fizeram o mesmo do que as ativistas… serão todos ativistas, ou serão todos desordeiros?

Seja como for, e tal como o ministro respondeu quando lhe perguntaram se queria fazer uma pausa, vamos continuar. Mas quem organiza estas cenas tristes de ativistas ociosos, não se pode queixar que outros radicalismos lhe sigam os passos. A estupidez humana é de facto muito vasta.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hmonteiroexpresso@gmail.com

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