O fardo da dívida pública: sorte malvada
Em 2024 vamos ter de pagar cerca de mais mil milhões de euros em juros do que em 2023. A dívida é, em si mesmo, uma restrição à liberdade das novas gerações e para as atuais opções políticas
Deputada da Iniciativa Liberal
Em 2024 vamos ter de pagar cerca de mais mil milhões de euros em juros do que em 2023. A dívida é, em si mesmo, uma restrição à liberdade das novas gerações e para as atuais opções políticas
A dívida pública é uma das maiores restrições de política, um peso para os contribuintes e um fardo inexorável para as gerações futuras. Estamos a pagar juros de juros, continuamos com uma dívida elevada, demasiado elevada: cerca de 112 por cento do PIB e, digam o que disserem, com um baixo ritmo de consolidação. Em 2024 vamos ter de pagar cerca de mais mil milhões de euros em juros do que em 2023. A dívida é, em si mesmo, uma restrição à liberdade das novas gerações e para as atuais opções políticas.
Oiço com frequência celebrar-se o facto de a dívida em percentagem de tudo o que nós produzirmos estar a descer, e não estarmos já no pior grupo dos países da União Europeia. Claro que é importante, e positivo, estar em trajetória de redução, a questão é que este resultado está a ser conseguido sem redução dos gastos públicos ou melhorias transformacionais sobre a administração pública. Além disso, não há uma política amiga do crescimento económico sustentável que relativize o peso da dívida pública, onde pagaríamos o mesmo, mas com um esforço menor. Também estamos a falhar nesta vertente. Assim celebramos o quê? Passar do primeiro pior pelotão para o segundo pior? Termos taxas de crescimento do produto anémicas que não permitem inverter a situação? Termos uma nova geração cada vez mais estrangulada?
O quadro de políticas invariantes, como legalmente definido, saiu há poucos dias. Trata-se de um documento importante sobre as variações esperadas nas contas públicas, mantendo tudo o resto constante. Indica o cenário base com o qual se tem de fazer contas para o ano seguinte (OE2024). Para se ter uma ordem de grandeza sobre a questão dos juros, de acordo com este quadro, o Governo começa o ano de 2024 com um impacto negativo de 3 mil milhões de euros no saldo orçamental para 2024, devido a acréscimos de despesa ou diminuição de receitas que chegam por via de políticas já adotadas. Cerca de um terço desse valor, cerca de mil milhões, é para o serviço da dívida, devido ao aumento da despesa com juros.
Numa análise mais fina dos números percebe-se que um dos principais motores de redução da dívida pública em percentagem do PIB é a inflação. Como esta aumenta artificialmente o preço do que produzimos, dá ideia que custa menos pagar as dívidas passadas. Aumentamos o denominador, por via de efeito de preços, e com este esquema reduzimos a dívida pública em termos relativos. Temos tido nestes anos efeitos de maquilhagem que disfarçam a falta de reformas; um dos exemplos são melhores resultados no défice orçamental por via de juros baixos ou contributo de dividendos do Banco de Portugal.
Compreendo as opções, a ligeireza e até os argumentos políticos por detrás deste racional. Mas defendo que não se pode, ou não se deve, lançar urras à trajetória da dívida e passar a ideia que estamos a ter boas políticas, quando tal não acontece. Temos de querer mais, e ter mais escrutínio sobre os resultados, bem como capacidade prospetiva futura
Um maior pagamento de juros de dívida pública é mais um grilhão que afunda as novas gerações. É preciso não esquecer que em cima desta dívida, os nossos filhos e netos irão herdar um sistema de segurança social falido, para o qual têm de contribuir e pouco vão beneficiar, estando com pouco rendimento disponível e cargas fiscais históricas. Não gosto de falar na sorte, mas no trabalho que a sorte dá, mas no que diz respeito a heranças políticas como a dívida pública, é caso para dizer: sorte malvada.
Carla Castro é deputada da Iniciativa Liberal
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