Opinião

Portugal e as taxas de reciclagem: como nos avalia a Comissão Europeia?

Se até agora as Embalagens mostraram que é possível cumprir metas da reciclagem, como atesta o relatório da Comissão Europeia, todos os resíduos urbanos também podem lá chegar

Portugal e as taxas de reciclagem: como nos avalia a Comissão Europeia?

Ana Trigo Morais

CEO da Sociedade Ponto Verde

Recentemente, a Comissão Europeia divulgou um relatório preliminar que analisa o progresso dos Estados-Membros em relação à economia circular, com foco especial na reciclagem de resíduos urbanos. Esse relatório apresenta a probabilidade de os países cumprirem ou não as metas estabelecidas para 2025. Infelizmente, cerca de 10 Estados-Membros estão em posição de não alcançarem os objetivos de reciclagem, tanto para os resíduos urbanos (55%) como para as embalagens usadas (65%).

Portugal encontra-se numa situação peculiar. Surpreendentemente, o nosso país destaca-se positivamente na reciclagem de embalagens usadas, cumprindo adequadamente as metas definidas pela União Europeia. Aliás, é este o único fluxo específico de resíduos urbanos em que Portugal cumpre metas, com exceção para o material Vidro.

O verdadeiro desafio para Portugal reside na reciclagem de tudo o que faz parte dos resíduos urbanos, não só na reciclagem das embalagens, mesmo que, ainda assim seja esta a fração com o melhor desempenho de reciclagem.

Em primeiro lugar porque enfrentamos sérias limitações na infraestrutura para recolha seletiva e tratamento de biorresíduos (a fração orgânica do nosso lixo doméstico, por exemplo) – a grande maioria dos Portugueses ainda não sabe que terão que os separar nas suas casas!

Em segundo lugar, porque enfrentamos o esgotamento de capacidade de muitos dos aterros existentes. Onde vamos passar a colocar os resíduos urbanos que não forem recolhidos para valorização e reciclagem? Vamos continuar a construir aterros para enterrar recursos que podem aumentar a circularidade da economia se forem reciclados?

Adicionalmente, temos ainda baixas taxas de recuperação de resíduos recicláveis não-embalagem, como acontece por exemplo com os resíduos de equipamentos eléctricos e electrónicos. Esses são precisamente os problemas apontados como obstáculos críticos que precisamos superar para cumprir as metas estabelecidas.

O relatório também destaca que a ausência de uma recolha eficiente e sobretudo conveniente, é uma das principais causas de alguns Estados-Membros estarem em risco de incumprimento. Venho defendendo há muito que é fundamental a colaboração de diferentes atores para tornar os pontos de recolha, ECOPONTOS nomeadamente, mais acessíveis à população, mais limpos, sem se transformarem em pequenas lixeiras a céu aberto, abrangendo também diversas frações de resíduos de embalagens e biorresíduos. Essas ações serão cruciais para alcançar as metas de reciclagem desses materiais. É uma questão de conveniência para o cidadão!

Depois temos o setor do vidro, material nobre da Economia Circular! Embora tenhamos avançado nas quantidades recicladas, são ainda insuficientes para atingir as metas estabelecidas. Projetos bem-sucedidos, como o "Projeto+Vidro+Reciclagem" promovido pela Sociedade Ponto Verde, que implementa ecopontos para uma separação mais eficaz por parte da restauração, mostram o enorme potencial de circularidade do vidro. Caso sejam massificados, estes projetos podem contribuir para que se alcance a taxa de reciclagem de 70% de embalagens de vidro até 2025.

Diante deste cenário, é urgente agir! O governo tem um papel fundamental ao legislar no sentido de promover a sustentabilidade e a reciclagem dos resíduos urbanos. E legislar com realidade, com os parceiros envolvidos, criando modelos de financiamento transparentes e não meramente unilaterais. Não é atirando milhões por Despacho para o sistema da reciclagem, sem garantia de qualidade ou nível de serviço, que conseguiremos lá chegar. É necessário cuidar da eficiência e da sustentabilidade dos processos, adoptar a melhor tecnologia e explicar aos portugueses que são eles que estão a pagar!

A união entre a sociedade civil, todos os agentes do sector e o governo é essencial para garantir que as metas de reciclagem sejam alcançadas com sucesso. Portugal tem a hipótese de ser um exemplo positivo na transição para uma economia mais circular, mas isso exigirá esforços coordenados, investimentos adequados e medidas eficazes.

A Comissão Europeia fez soar o alerta e agora é o momento de todos nós, informados e comprometidos, trabalharmos em conjunto para enfrentar esse desafio e garantir um futuro mais sustentável, colocando o País na rota certa da sustentabilidade, no que aos resíduos urbanos diz respeito. Se até agora as Embalagens mostraram que é possível cumprir metas da reciclagem, como atesta o relatório da Comissão Europeia, todos os resíduos urbanos também podem lá chegar!

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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